Benção
São 4 pequenos anjos renascentistas esquartejados sobre minha estante.
Uma ótima maneira de se lançar num novo Outono, moldando uma nova pré-vida que, emaranhada entre as tripinhas divinas, apontam um futuro prospero.
Foi há alguns meses... Eles despencaram do paraíso para cair exatamente sobre minha calha. Fui acordado em meio à madrugada por suaves choramingos e um farfalhar de asas recém formadas, que cheiravam a carne fresca. Pequenas penas champanhe espalhadas pelo meu telhado.
Um por vez foi delicadamente retirado de lá, e alimentados. Dei-lhes torradas e leite para comer, afinal, não sabia qual regime pequenos santos renegados deveriam seguir e, no momento, aquele me pareceu um banquete de pureza à altura (o que, agora, me causa certos questionamentos).
Pela manhã, eles cantarolavam longos cânticos em latim. Cheiravam à grama recém cortada, ou até mesmo a aquele odor úmido que precede as chuvas. Todos tinham a pele estonteantemente clara, a ponto de poderem refletir um dia inteiro.
Com o passar de algumas semanas já haviam se curado dos ferimentos causados pela queda e até conseguiam se aventurar em breves vôos pelo corredor, enchendo a casa com seus risinhos infantis... Um dia isso me irritou.
A beleza inexorável da santidade daquelas criaturinhas aladas começava a se tornar perturbadora, e aos poucos, aqueles rostinhos outrora tão simétricos e macios tornavam-se monstruosamente deformados.
Voavam por sobre minha cabeça, desengonçados.. Pousavam feitos abutres.
Não havia mais lindos cânticos... Esses deram lugar a gritos de horror e ameaça. Suas peles tão brancas, agora já muito cinzentas, passaram a refletir por dias inteiros os meus próprios pecados.
A fascinação se foi...
O puro não pode nos ser exposto por muito tempo... Talvez ele não possa nem se quer alimentar a própria magnitude do que o compõe.
Hoje o Outono enfim começou.
Penas amarelas e secas dançam harmoniosamente, junto ao vento, pelo meu quintal.
A beleza me é horrenda.
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