sexta-feira, 10 de junho de 2011

Túmulo no monte Cáucaso

O vento está mais frio, hoje. Apesar do céu azul, o vento está frio. Não sei especificar a quanto tempo estou parado aqui. A sombra das árvores cobre meu rosto, posso ver todo o jardim de entrada, a porta, a janela. Escuto certa movimentação dentro da casa, mas a porta permanece fechada. O vento está frio mas o céu muito azul. Entre as folhas dos arbustos, à minha direita, vejo um pedaço da rua. Vazia. Posso observar, também, um pedaço do meu carro, vermelho e brilhante.
Sinto minha mão tremula, acho que é o peso que ela sustenta.Não estou acostumado ao peso do metal. Não estou acostumado ao peso da situação. Sou apenas um homem. O céu está azul turquesa e eu tremo sobre o Cáucaso. Tremo como o homem que encara os olhos do diabo. Porém, hoje a mão que treme, a minha mão, será a castigadora. Hoje, serei eu quem escreverá o epitáfio neste túmulo, entre o mar Negro e o mar Cáspio.
Ouço vozes no interior da casa. O vento sopra mais forte e deita a folhagem que me esconde da rua. Posso ver meu carro, vermelho e brilhante. Sinto um pouco de tristeza quando penso nele queimado, à quilometros daqui. Mas é necessário. Vermelho e brilhante, por um momento sua cor vai escalar o ar em labaredas. É engraçado pensar nas chamas sobre o carro, no fogo em minha mão... é sem dúvida uma oferenda de Prometeu. A justiça dos homens sendo práticada sobre seu cárcere.
Ouço vozes no interior da casa. Penso nela. Imagino seu terror ao ouvir está voz. Imagino seu terror. Sinto nauseas quando a porta se abre.
Ele sai. Não me vê. Está vestindo um uniforme azul turquesa. O céu é azul turquesa. É seu dia. Minha mão treme. Endireito meu dedo junto ao metal e, quando ele passa por mim, tento sair devagar de entre as plantas, debaixo das árvores do jardim. O vento sopra mais gelado, hoje. Piso em um graveto e ele estala alto. Sinto náuseas. Tento ser silêncioso, mas o homem se vira. Tremo. Encaro os olhos do diabo. Minha mão pesa. Ele me encara e pareço ter mil quilos na mão direita. "O que é iss.." ele diz, mas hoje eu sou o castigo. Minha mão está apontada na altura de seus olhos. Cuspo fogo. Penso nela enquanto o vejo cair. sua perna treme e sua camisa já não é azul turquesa. Penso nela e puxo o gatilho mais uma vez. E outra. E outra. Não é mais tão fácil identificar seu rosto, porém seja mais fácil encara-lo. Sinto nojo. Penso nela. Venci o diabo. Não tenho medo, arranquei os olhos do mal. O vento sopra forte e as folhas das árvores cantam. Vejo meu carro e corro até ele. Obrigado Prometeu. Penso nela e sorrio.

quinta-feira, 2 de junho de 2011

Sol de inverno

Os garotos correm pela sala e fazem muito barulho sobre o assoalho de madeira. Eu não digo nada, só tento me cobrir melhor. George e Miguel gritam e correm, mas ninguém diz nada. Faz pouco tempo que amanheceu e minha poltrona já estava arrumada, depois de alcançá-la foi fácil me ajeitar. O inverno começou e se não me cobrir direito meus pés ficarão muito gelados. Tento me cobrir direito.
Quando era criança também costumava brincar muito. Meu pai não gostava da bagunça. Eu gosto. George e Miguel parecem, pelo menos, meia dúzia de crianças juntas, mas seus barulhos me ajudam a manter a atenção. Às vezes, quando o dia fica silencioso demais, não sei se estou dormindo ou acordado. Esqueço como é se sentir acordado.
O sol esquenta minha nuca. As cortinas devem estar abertas. No inverno é bom, aconchegante.
Os garotos correm na sala. Derrubam alguma coisa.
"Shhhhh! Não faz barulho!" diz Miguel "a mãe disse pra gente não incomoda o vô."
"Não to incomodando o vô, eu só derrubei aqui, ó!" sussurra George.
"Para de fazer barulho se não vo conta pra a mãe!" Miguel responde.
Não digo nada.
A correria recomeça, mas, aos poucos, se distancia. Fica distante e se dissipa no espaço aberto do quintal.
Quando eu era jovem fui à praia com uma garota. Tomamos algumas bebidas e caminhamos na areia durante muitas horas da tarde. O sol também esquentava minha nuca. Éramos jovens e ela tinha os olhos azuis. Não, eram castanhos, mas o mar era azul, e o céu era azul, e eles eram longos e desapareciam na vista. Lá no fundo tinha um navio ancorado, parecia de brinquedo e eu fiquei muito tempo olhando para ele. Não me lembro muito bem de como é o azul.
Quando era jovem costumava observar o mundo em silêncio, hoje eu não o enxergo mais. Hoje sinto que é o mundo que, ruidosamente, me observa.
George e Miguel correm sobre o assoalho de madeira. Parecem, pelo menos, meia dúzia de crianças. Dou um pequeno pulo na poltrona e sinto frio nos pés, novamente.
Não digo nada. Gosto do som deles.