sexta-feira, 26 de fevereiro de 2010

Haicai.

Olhos na parede
do quarto. Rompe um parto
então sente sede.

sexta-feira, 19 de fevereiro de 2010

Desembarque

As rodas relincham
ao abraço dos freios que
interrompem os sonhos
em azul e preto.

Os morros se foram
assim como
os galões fumegantes e
os olhos marejados
à beira da estrada.

Homens se levantam olhando
o relógio,
mulheres se precipitam
a arrumar os cabelos;
Todos em solo esperado,
no destino bem mais valioso
que o valor pago pelas passagens
(ou ao menos para mim
que só sinto
e assisto
os olhos que se abrem).

A brisa desliza
pelas janelas seladas,
o sol ilumina
campos, antes castos, e
insemina dias, calores
e embriões futuros
na terra vermelha.

A grande máquina cessou,
cuspindo histórias junto ao
combustível queimado.
A grande máquina cortou
a própria espinha dorsal
e desabou sobre a macieira
do novo Édem.
E todo homem, mulher
e criança, antes embalados
pelo motor,
vestem agora a própria nudez
e sentem a grama por entre
os dedos dos pés.
E eu, que permaneci acordado
entre as curvas e retas,
entre as linhas e parágrafos,
entre as palavras do poeta francês e
as explosões combustíveis
posso dormir sob a sombra
das grandes árvores
de meu esperado jardim.

quinta-feira, 11 de fevereiro de 2010

Durante o sono

Vitor ainda tremia. Os olhos fixos na mão que pendia, inerte, para fora da cama. Peculiarmente mais robusta, de veias roliças e aparentes a mão se assemelhava a um galho de árvore, levemente retorcida. Já não esboçava movimento algum mas as marcas de dedo ao redor do pescoço do rapaz ainda estavam bem aparentes e seus pulmões lutavam para recuperar o ar a pouco interrompido.
Imóvel. Podia estar se fingindo de morta num impulso instintivo, ou só esperando para o próximo bote enquanto juntava energia nos dedos para que, dessa vez, o ataque fosse definitivo. Vitor se esticou e tentou alcançar qualquer objeto minimamente maciço para que pudesse se defender; um chinelo de borracha, lata de cerveja vazia, meias, cuecas, óculos. Cinzeiro. Isso, um cinzeiro de vidro, parecia pesado o suficiente. Não era exatamente uma arma mas ajudaria.
A mão treme. O dedo mindinho, o menor dos galhos, tem espasmos leves que fazem com que mão toda vibre, como um animal sedado ao acordar. Então o impulso, os dedos se esticam furiosamente.. Vitor levanta o cinzeiro ameaçando a agressora. Num segundo a mão é projetada para cima e despenca na cama, de pé sobre os próprios dedos, como um animal, sem motivos, sem explicações. Não importa, já não era mais a mão de Vitor e isso foi o suficiente para que o cinzeiro a atingisse certeiramente. A primeira e a segunda vez, e a terceira. O sangue jorrou e ela caiu novamente, inerte. Parecia gravemente ferida, entre as margens dos cortes recém adquiridos se viam tendões, artérias, miúdos de carne...
O rapaz se levantou e correu pelo quarto, correu sem rumo, o braço balançando como um trapo. Precisava de uma faca. Ela podia acordar novamente... Podia acordar mais violenta. Precisava de uma faca, um canivete, uma tesoura de jardinagem. Devia acionar a polícia? Olhou a agressora e estremeceu. Bom, tudo bem, nunca usou muito a mão esquerda, mesmo.

Mordia o lábio ao lançar mão sobre uma pequena faca de serra que jazia num prato cheio de migalhas de pão.