quinta-feira, 28 de maio de 2009

Expediente

Em fim de tarde,
de pernas cansadas
de horas de espera,
em beijo de alívio
na paz alcançada
toda medalha
é graça concedida

Em fim de quarta
de fé, fome
e desconsolo
Deus desce aos homens
em reflexo
de vidro fosco.

quarta-feira, 27 de maio de 2009

Canto Primeiro ao Nada

A meia-noite já teria passado a tempo. Sem Hermes de Zeus, sem estalos no calçamento ou o corvo de Odin.
A luz fraca da lâmpada incandescente jorra entre as fendas da janela, as sombras dos móveis sussurram, conspiram, imitam o divino que lhes pertence por direito.
A fera, amarga, senta ao colo. A espada arranha a espinha dorsal. Os sapos, o caranguejo e a víbora.
Sem mais níqueis de Tânia. Ou lábios de Ivich. A ferida já aberta no peito do Leão veneziano.
A festa acabou, o conhaque acabou, mas a luz, amarela e lângiida espreita à janela.
O vírus e a água empoçada nos pulmões. O tiro já foi dado, a morte decretada.
Do nada ao caos e no caos a integração da ordem de argila, a paz cega e estúpida.
A estúpidez do nada.
Já teria passado a meia-noite. O pai já abandonará o filho, não seria a primeira vez.

segunda-feira, 25 de maio de 2009

São Matheus

Um latido fino e estridente ecoa na pequena gruta de tijolos e garrafas, despertando a alma de toda gente bêbada e faminta de atenção.
- Quié, Matheus? O que você quer?
A mão afaga a cabeça do pequeno Matheus, que com mais um latido agudo lança olhos para um pedaço indefinido de carne que roda, devagar, numa churrasqueira negra de fuligem e descuido.
- Por que não está em casa, hein? - A mão tem voz aveludada quando se aproxima do pequeno, amigável, atenciosa. - Vamos me acompanhar pra casa, vamos? Vem!
Os pelos de avelã de Matheus se eriçam e um meio sorriso patético de cão se abre em sua boca, deixando a lingua abobada dançar entre a fenda de seu rosto. Ele pula, dança em torno de sua mão que afaga.
Mais um dia de fome para o pequeno santo Matheus de pelos sujos. Mas um dia comum para o desconcerto da conversa de bar. Mais uma história sem importância de um cotidiano sem importância.

quinta-feira, 14 de maio de 2009

Às Cegas

Em noite de topos,

atirado aos negros

fios de cabelo,

arranco-lhe a lua

do céu de teu seio.

Para em manhã de ressaca,

de meia-alma,

vislumbrar a fenda

com que marquei o dia.