“Abre a janela, meu amigo,
joga a bagunça para lá e senta na cama.”
É no pedaço de vista
de rua trepidante
por entre as escadas
onde se abrem rachaduras
onde se soltam demônios
e melodia aos ouvidos
dose aos estômagos
frases às paredes
é por dentro da vista
subindo as escadas
onde a porta está sempre aberta
que a vida se refugia
quando a noite lhe desabriga.
Beba um copo
solte a fumaça
mate um novilho
em nome do tédio
“Mas lembre bem, meu amigo
foi por excesso que caiu Gomorra,
faça desse antro o seu abrigo
só não abra a geladeira, porra.”
quarta-feira, 16 de dezembro de 2009
sexta-feira, 11 de dezembro de 2009
Sístole.
40 minutos atrasado, corro.
A cidade ensaia seu ballet free-style. Carros rodopiam, ônibus sacolejam em danças rituais. Dois ou três motoqueiros acertam um “quebra nozes” em frente ao café da manhã público.
A gravata pende ainda aberta em meu pescoço, o café ainda está entre os dentes. Penso desculpas, penso atalhos, penso se coloquei meias mas não confiro. Os pés recém acordados sofrem com a pressa. A casa se encontra num ponto “A”, o local de trabalho num ponto “C”. Ambos formam uma linha retilínea em que B (eu) vai de um ponto à outro. Visualizo o espaço, a distância viabiliza a existência de meu relógio. Minha saúde física mantêm minhas pernas em movimento porém as pernas em movimento acelerado marcam o atraso. Preocupação. Adoeço psicologicamente, o que me torna socialmente despreparado. O triângulo físico-psicológico-social perde duas pernas eu perco dois minutos, é um processo lento e auto-destrutivo, é humanamente característico.
Quando penso em trabalho penso em meu pai. Penso nos sapatos de meu pai, me vejo calça-los, mas ainda são enormes para meus pés.
Empurro uma senhora que fecha a calçada, ela grita. Apita uma campainha de cordas vocais velhas e frouxas. Ouço ofensas. Não ligo.
46 minutos atrasado, a corrida chacoalha meu estomago, sinto náuseas, perco fluidos, ganho velocidade, perco folego. Tusso, me apoio num poste cinza forrado de anúncios e vejo uma gota salgada cair da minha testa ao sapato de couro escuro. Levanto o rosto como que para sugar o mundo pelas narinas. Respirar fundo e lentamente. Respiro,me acalmo... E a vejo. Caminha devagar, destoando do quadro geral. Tento perceber a cor dos teus olhos, lhe acompanho o movimento da saia, imagino seu corpo nu, seu destino, seu nome e a perco numa esquina sombreada e recém lavada. Largo o poste e corro os últimos 100 metros rasos que precedem o ponto de ônibus. Talvez chegue antes das 9:00.
A cidade ensaia seu ballet free-style. Carros rodopiam, ônibus sacolejam em danças rituais. Dois ou três motoqueiros acertam um “quebra nozes” em frente ao café da manhã público.
A gravata pende ainda aberta em meu pescoço, o café ainda está entre os dentes. Penso desculpas, penso atalhos, penso se coloquei meias mas não confiro. Os pés recém acordados sofrem com a pressa. A casa se encontra num ponto “A”, o local de trabalho num ponto “C”. Ambos formam uma linha retilínea em que B (eu) vai de um ponto à outro. Visualizo o espaço, a distância viabiliza a existência de meu relógio. Minha saúde física mantêm minhas pernas em movimento porém as pernas em movimento acelerado marcam o atraso. Preocupação. Adoeço psicologicamente, o que me torna socialmente despreparado. O triângulo físico-psicológico-social perde duas pernas eu perco dois minutos, é um processo lento e auto-destrutivo, é humanamente característico.
Quando penso em trabalho penso em meu pai. Penso nos sapatos de meu pai, me vejo calça-los, mas ainda são enormes para meus pés.
Empurro uma senhora que fecha a calçada, ela grita. Apita uma campainha de cordas vocais velhas e frouxas. Ouço ofensas. Não ligo.
46 minutos atrasado, a corrida chacoalha meu estomago, sinto náuseas, perco fluidos, ganho velocidade, perco folego. Tusso, me apoio num poste cinza forrado de anúncios e vejo uma gota salgada cair da minha testa ao sapato de couro escuro. Levanto o rosto como que para sugar o mundo pelas narinas. Respirar fundo e lentamente. Respiro,me acalmo... E a vejo. Caminha devagar, destoando do quadro geral. Tento perceber a cor dos teus olhos, lhe acompanho o movimento da saia, imagino seu corpo nu, seu destino, seu nome e a perco numa esquina sombreada e recém lavada. Largo o poste e corro os últimos 100 metros rasos que precedem o ponto de ônibus. Talvez chegue antes das 9:00.
segunda-feira, 7 de dezembro de 2009
Páscoa
Foi de pão e vinho
e confissões fraternais
que se abriu
o corpo de Cristo.
A bondade e
a alma de cordeiro
quando forjadas
em ponta de lança
lhe atravessa a paixão
toráxica
do fígado à homoplata.
e confissões fraternais
que se abriu
o corpo de Cristo.
A bondade e
a alma de cordeiro
quando forjadas
em ponta de lança
lhe atravessa a paixão
toráxica
do fígado à homoplata.
sábado, 28 de novembro de 2009
Como diria um velho amigo...
Hoje, pela manhã, o café me pareceu mais amargo do que de costume, mesmo após colheradas generosas de açúcar ele ainda se manteve amargo. Às vezes o sono se desvencilha de suas pálpebras em meio às quatro da madrugada e foge por uma fresta fina da janela, seguindo a rotação da Terra, seguindo a noite, para se permanecer sono. Delirar em noites orientais. Me pareceu algo assim, talvez bem menos lírico, diria até mais irritante. Acordei.
Nunca fui um grande apreciador das manhãs. Elas podem ser agradáveis, frescas ou diminutas em raios UV, mas são por demais silenciosas, um silencio peculiar, não como o das noites que em seus sussurros vão apenas rememorando lembranças recentes, as manhãs se aquietam frente as milhares de probabilidades por vir. Elas sentem medo de sí, e isso me apavora.
Não sei exatamente o que me fez acordar tão cedo. Talvez um sonho mal sonhado, um ronco arranhado ou um galo, vizinho de minha infância, que insistiu cantar em minhas veias. Cruzei meia dúzia de pernas matutinas que corriam ao banho, ao fogão, ao carro, à cama. A pressa lhe tira a atenção, ninguém quer ter uma manhã de atenção.
Fiz meu café, 4 colheres de açúcar. Amargo.
Lembro de um amigo que costumava dizer que homens de verdade não tomam o café adocicado. “Homens o tomam puro, amargo, revigorante. Só assim se acorda totalmente”. Estranhamente esse mesmo amigo não era capaz de levantar-se antes das 10:00.
Por fim, sentei-me numa velha cadeira de plástico e assisti ao espichar da vida que se ergue com um arrepio. Vagarosamente despejei o café negro sobre a terra de um vaso de flores murchas e fitei meus próprios sapatos. Por hoje não desejava despertar por completo.
Nunca fui um grande apreciador das manhãs. Elas podem ser agradáveis, frescas ou diminutas em raios UV, mas são por demais silenciosas, um silencio peculiar, não como o das noites que em seus sussurros vão apenas rememorando lembranças recentes, as manhãs se aquietam frente as milhares de probabilidades por vir. Elas sentem medo de sí, e isso me apavora.
Não sei exatamente o que me fez acordar tão cedo. Talvez um sonho mal sonhado, um ronco arranhado ou um galo, vizinho de minha infância, que insistiu cantar em minhas veias. Cruzei meia dúzia de pernas matutinas que corriam ao banho, ao fogão, ao carro, à cama. A pressa lhe tira a atenção, ninguém quer ter uma manhã de atenção.
Fiz meu café, 4 colheres de açúcar. Amargo.
Lembro de um amigo que costumava dizer que homens de verdade não tomam o café adocicado. “Homens o tomam puro, amargo, revigorante. Só assim se acorda totalmente”. Estranhamente esse mesmo amigo não era capaz de levantar-se antes das 10:00.
Por fim, sentei-me numa velha cadeira de plástico e assisti ao espichar da vida que se ergue com um arrepio. Vagarosamente despejei o café negro sobre a terra de um vaso de flores murchas e fitei meus próprios sapatos. Por hoje não desejava despertar por completo.
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sexta-feira, 27 de novembro de 2009
Aconchego
Quando me deitei
à beira mar
deixei com que a onda
quebrasse em linhas
sobre meu travesseiro
E o por-do-sol
respingou,
sonolento,
sobre meu rosto
que dormia
em paz.
à beira mar
deixei com que a onda
quebrasse em linhas
sobre meu travesseiro
E o por-do-sol
respingou,
sonolento,
sobre meu rosto
que dormia
em paz.
sábado, 21 de novembro de 2009
Honra vil
eu tenho que começar
de alguma maneira
eu tenho que recomeçar
de novo
duas cervejas pagas
e uma cachaça pro tiozinho lá
ê laiá
na noite que revem
e vem trazer
o esquecido na solidão
que pede um trago
mais um
por favor
e dois reais
botam pra dormir
como um anjo
beijando a guia
diria até meu amor
mas está meio caro
volte na sexta, por favor
por favor, por favor
e traga um pedaço de papel
envolto em couro
saque além do bigode
e da barba
de um pra lá e um pra cá
que é da vontade que se faz o ouro
e é assim que se faz
de alguma maneira
eu tenho que recomeçar
de novo
duas cervejas pagas
e uma cachaça pro tiozinho lá
ê laiá
na noite que revem
e vem trazer
o esquecido na solidão
que pede um trago
mais um
por favor
e dois reais
botam pra dormir
como um anjo
beijando a guia
diria até meu amor
mas está meio caro
volte na sexta, por favor
por favor, por favor
e traga um pedaço de papel
envolto em couro
saque além do bigode
e da barba
de um pra lá e um pra cá
que é da vontade que se faz o ouro
e é assim que se faz
Magna
A terra é, predominantemente, cinza e vermelha. Antes do verde, do azul ou negro, eram apenas o cinza e o vermelho, como osso e sangue. Desse bi-colorismo surgiu a saliva das rochas em forma de oceano, e da saliva o resto mastigado que, brotando no canto úmido do cenário, fez-se carne, de grandes mamas a jorrar leite coalho que, por sua vez, fez do vermelho os vermes.
Há quem diga que são modelos de barro ou macacos com talheres, mas a verdade é que tudo provem de um onisciente traço pré-existente de nada.
Certa vez me disseram que Marte em determinada posição abria um leque de possibilidades cegas de tragédias eminentes. “ Quando estive doente só não me preocupei porque os números prometiam recuperação”. E assim como Marte, a veia safena migrou ao tórax para abrir novas possibilidades de dor e cicatrização demorada. Os planetas não cauterizaram aquele senhor.
Hoje, pela tarde, o céu voltou a ser apenas cinza e jorraram grandes poças de saliva sobre os telhados. Fiz meu papel de carne.
Há quem diga que são modelos de barro ou macacos com talheres, mas a verdade é que tudo provem de um onisciente traço pré-existente de nada.
Certa vez me disseram que Marte em determinada posição abria um leque de possibilidades cegas de tragédias eminentes. “ Quando estive doente só não me preocupei porque os números prometiam recuperação”. E assim como Marte, a veia safena migrou ao tórax para abrir novas possibilidades de dor e cicatrização demorada. Os planetas não cauterizaram aquele senhor.
Hoje, pela tarde, o céu voltou a ser apenas cinza e jorraram grandes poças de saliva sobre os telhados. Fiz meu papel de carne.
terça-feira, 10 de novembro de 2009
Corpo de Julho
Mas se não fosse a espreita
quase sinestésica do lembrar
que me embala a dirigir
manhãs shakespeareanas de
elenco alheio.
Se não fossem seus pés
pequenos e marcados
que já antes marcaram
o torpor cotidiano
e ainda hoje
forçam a disritmia
quando voltam-se, novamente,
a mim.
Se não fosse o olhar
daquela pinta
a direção
de suas mãos
a impressão
por seus olhos
E se não fosse ela
seria eu
só frio e fome
quase sinestésica do lembrar
que me embala a dirigir
manhãs shakespeareanas de
elenco alheio.
Se não fossem seus pés
pequenos e marcados
que já antes marcaram
o torpor cotidiano
e ainda hoje
forçam a disritmia
quando voltam-se, novamente,
a mim.
Se não fosse o olhar
daquela pinta
a direção
de suas mãos
a impressão
por seus olhos
E se não fosse ela
seria eu
só frio e fome
quarta-feira, 4 de novembro de 2009
Novembro
São os carros
e portões
e garagens
e jantas
(ou o cheiro delas),
no chamar,
fim do futebol,
de traves de tijolos,
no reavistar.
No círculo vermelho
que surfa em prédios
que se anuncia a noite,
fornalha de verão.
E o suor,
salgado, de todo o dia
dorme úmido no lençól.
e portões
e garagens
e jantas
(ou o cheiro delas),
no chamar,
fim do futebol,
de traves de tijolos,
no reavistar.
No círculo vermelho
que surfa em prédios
que se anuncia a noite,
fornalha de verão.
E o suor,
salgado, de todo o dia
dorme úmido no lençól.
quinta-feira, 29 de outubro de 2009
Precipitação
Uma frota de navios roçam o cais e trazem pacotes. Pacotes e homens, que por sua vez trazem saudades, salários e sífilis do Leste. Da terra do Sol nascente, do trigo, dos olhos e fios escuros. Enquanto aqui termina uma longa jornada de trabalho, do outro lado da cidade homens afundam-se em lama e pedras com suas britadeiras e lanternas construindo o ninho da grande minhoca metálica cujo coração é um terceiro trilho. Mulheres fazem jornada dupla entre a solidão e a maternidade. Crianças se perdem em multidões e observam cadarços desamarrados. Técnica. Tudo se baseia em técnica. E os edifícios, soberanos em cálculos e metais, observam silenciosos, com seus balançares de elefante, toda essa mirmecologia mamífera. Há correntes marítimas, correntes culturais, correntes migratórias e correntes, simplesmente. Alguns pássaros seguem para o norte, alguns condenados para a cadeia. Garotos se alistam, pegam fuzis e juram ao que amanhã hão de praguejar, garotas entram na universidade e bebem até acordar ao lado de um sujeito de sandálias. O feto se forma besuntado em álcool e já entende o mundo mesmo antes de receber suas unhas. Chaminés, canos, gargantas, espingardas. Nada fica eternamente recluso, o mundo age expelindo. Magma jorra pela grande acne de pedra. Doninhas saindo de suas tocas. Espermatozoides ejaculados. Almas sopradas. Dentro de seis meses alguns homens deixarão novamente suas casas sendo lançados ao mar. Lançados à tormentas, escorbuto, e ao abraço solitário de uma prostituta tailandesa. Dançarão a noite toda para que quando seus olhos se fecharem, sobre o peito moreno de suas amantes, o Sol se abra, esquente-lhes as almas e cegue suas pendências.
terça-feira, 27 de outubro de 2009
Póstumo
Ela estava no fio da lâmina,
no mantra.
Cavalgando em estações,
em cada punho do Tinku.
Entre a lama, à beira do rio,
no vão de dedos descuidados.
Ela estava nos olhos do pastor.
Cuspida, pela manhã.
No amigo, na ciência,
no santo manto roxo aveludado.
Ela costumava estar
em pregos, em lanças
em sangue e pão.
Em medalhas pendentes
entre seios semi-aparentes.
Costumava e esteve
no marejar de olhos
em leitos e macas.
Costumava estar na
própria imagem do Sol,
e hoje, não está mais
nem em versos.
no mantra.
Cavalgando em estações,
em cada punho do Tinku.
Entre a lama, à beira do rio,
no vão de dedos descuidados.
Ela estava nos olhos do pastor.
Cuspida, pela manhã.
No amigo, na ciência,
no santo manto roxo aveludado.
Ela costumava estar
em pregos, em lanças
em sangue e pão.
Em medalhas pendentes
entre seios semi-aparentes.
Costumava e esteve
no marejar de olhos
em leitos e macas.
Costumava estar na
própria imagem do Sol,
e hoje, não está mais
nem em versos.
terça-feira, 20 de outubro de 2009
Lírios
O antigo não se apaga,
desliza pela velha gola
que ontem fazia pé à cabeça
e hoje bate à altura
do peito.
Ainda sou rio
de terra-rasgada.
Ainda sinto o cheiro
úmido
de cimento e chuva
que se casam
no canto rachado do quintal.
Antigamente sonhava
em entrar no porão
apertado
da casa de meus pais,
mas Luiz, meu amigo,
o mundo, hoje,
lhe é mais estreito.
desliza pela velha gola
que ontem fazia pé à cabeça
e hoje bate à altura
do peito.
Ainda sou rio
de terra-rasgada.
Ainda sinto o cheiro
úmido
de cimento e chuva
que se casam
no canto rachado do quintal.
Antigamente sonhava
em entrar no porão
apertado
da casa de meus pais,
mas Luiz, meu amigo,
o mundo, hoje,
lhe é mais estreito.
sexta-feira, 16 de outubro de 2009
Roda de subúrbio
...
-Acho que o pessoal aqui anda é falando demais.
-Acha? E o que isso tem de ruim?
-Tem que não se deve bisbilhotar a vida alheia, muito menos fazer dela trama de fofocas. Esse povo já tem muito do que cuidar em suas próprias vidas.
-E acha que saber sobre os outros não é mais uma maneira de se resguardar?
-Não. Acho que é pura e simples falta do que fazer. E uma pitada de cretinice.
-Pois então, e o que acha do tal Theo, filho do velho Juca lá das flores?
-O que tem o garoto?
-Não foi certo o que fizeram com ele?
-Não.
-Não? Pelo amor de Deus, Manuel. O garoto era uma aberração!
-E você é algum médico para saber apontar o que é normal e o que é aberração?
-Não, mas sei que alguém que nasce com um buraco na cabeça não é dos mais normais.
-E isso faz dele um problema?
-Minha santa virgem, Manuel! O garoto assoprava pensamentos. Não podia pensar em nada que logo soltava aquele bafo de ideia em voz alta!
-Isso é tudo papo, Fernão.
-Não! Pela minha mãe que não! Até própria Isabel, prima do Seu Aurélio jura que já ouviu os papos da cabeça do rapaz. E pensando bem, acho que até eu mesmo já ouvi uns sussurros uma vez, quando estava na feira e cruzei com ele...
-Ah, você acha?
-Acho, quase certeza.
-Ainda assim... Não deveriam ter feito nada com o pobre garoto.
-Aberração. É assim que é. A gente tem que proteger nossas famílias, homem!
-Proteger do que?
-Manuel, se fosse certo soltar tudo que se acha, Deus haveria de botar furo em toda testa que nascesse.
-Está bem, Fernão, está bem. Certo mesmo é falar pelas costas.
...
-Acho que o pessoal aqui anda é falando demais.
-Acha? E o que isso tem de ruim?
-Tem que não se deve bisbilhotar a vida alheia, muito menos fazer dela trama de fofocas. Esse povo já tem muito do que cuidar em suas próprias vidas.
-E acha que saber sobre os outros não é mais uma maneira de se resguardar?
-Não. Acho que é pura e simples falta do que fazer. E uma pitada de cretinice.
-Pois então, e o que acha do tal Theo, filho do velho Juca lá das flores?
-O que tem o garoto?
-Não foi certo o que fizeram com ele?
-Não.
-Não? Pelo amor de Deus, Manuel. O garoto era uma aberração!
-E você é algum médico para saber apontar o que é normal e o que é aberração?
-Não, mas sei que alguém que nasce com um buraco na cabeça não é dos mais normais.
-E isso faz dele um problema?
-Minha santa virgem, Manuel! O garoto assoprava pensamentos. Não podia pensar em nada que logo soltava aquele bafo de ideia em voz alta!
-Isso é tudo papo, Fernão.
-Não! Pela minha mãe que não! Até própria Isabel, prima do Seu Aurélio jura que já ouviu os papos da cabeça do rapaz. E pensando bem, acho que até eu mesmo já ouvi uns sussurros uma vez, quando estava na feira e cruzei com ele...
-Ah, você acha?
-Acho, quase certeza.
-Ainda assim... Não deveriam ter feito nada com o pobre garoto.
-Aberração. É assim que é. A gente tem que proteger nossas famílias, homem!
-Proteger do que?
-Manuel, se fosse certo soltar tudo que se acha, Deus haveria de botar furo em toda testa que nascesse.
-Está bem, Fernão, está bem. Certo mesmo é falar pelas costas.
...
terça-feira, 13 de outubro de 2009
Coleiro-virado
“Para evitar a fuga
corte as penas primárias de vôo,
fica mais fácil
com a ajuda de outrem”.
Dizem os sabedores
engaiolados.
Todo dia, após ligarem
os holofotes
sonhos e miúdos
alimentam os porcos
de sapatos e bigodes.
Há apenas o reverso
sobre os jornais sujos
E o gosto pelo desgosto
de si mesmo
lhe coroa
rei.
corte as penas primárias de vôo,
fica mais fácil
com a ajuda de outrem”.
Dizem os sabedores
engaiolados.
Todo dia, após ligarem
os holofotes
sonhos e miúdos
alimentam os porcos
de sapatos e bigodes.
Há apenas o reverso
sobre os jornais sujos
E o gosto pelo desgosto
de si mesmo
lhe coroa
rei.
quinta-feira, 8 de outubro de 2009
Nenhum cão ladra às 6:00h
O Sapato desliza no asfalto
madrugado de garoa e
sono.
O dia, aos poucos
abre a janela, toma o café
e esquenta o velho motor
a álcool
Pela manhã não é preciso
ser grande. É preciso ser
ao todo, só manhã,
que os olhos, vontades
e dentes
florecem só em hora
de Sol e fome à pino.
madrugado de garoa e
sono.
O dia, aos poucos
abre a janela, toma o café
e esquenta o velho motor
a álcool
Pela manhã não é preciso
ser grande. É preciso ser
ao todo, só manhã,
que os olhos, vontades
e dentes
florecem só em hora
de Sol e fome à pino.
segunda-feira, 5 de outubro de 2009
Peregrino
Caminho ao Oeste com estômago cheio
de mercúrio e césio 137,
a brisa se foi desde o
último ataque das engrenagens.
Quando o velho maquinário pesado
derruba paredes de velhas casas
os fantasmas particulares de outrora
fazem ninho em peitos descuidados.
Eu, por minha vez, caminho
tentando digerir metal
mas meu estômago é humano demais
para tal.
de mercúrio e césio 137,
a brisa se foi desde o
último ataque das engrenagens.
Quando o velho maquinário pesado
derruba paredes de velhas casas
os fantasmas particulares de outrora
fazem ninho em peitos descuidados.
Eu, por minha vez, caminho
tentando digerir metal
mas meu estômago é humano demais
para tal.
quarta-feira, 30 de setembro de 2009
Museion
Turva o Sol no metal da lira
na curva do som,
em areia branca.
O antigo chamado não há,
a inspiração é enterrada,
os louros, queimados.
Hoje o canto é súplica
sem remetente ou história,
vai aos olhos e gestos
serve à fome, ao desejo,
a um festim de Komos
de um devoto só.
No avanço de teus pés,
Terpsícore
No teu sussurro,
Calíope
No teu ventre,
Erato.
Pois és nove
de um só nome.
É carne, suor,
e suspiro.
na curva do som,
em areia branca.
O antigo chamado não há,
a inspiração é enterrada,
os louros, queimados.
Hoje o canto é súplica
sem remetente ou história,
vai aos olhos e gestos
serve à fome, ao desejo,
a um festim de Komos
de um devoto só.
No avanço de teus pés,
Terpsícore
No teu sussurro,
Calíope
No teu ventre,
Erato.
Pois és nove
de um só nome.
É carne, suor,
e suspiro.
terça-feira, 29 de setembro de 2009
Tyrannis Isotheos (ou Canto de Exaustão)
A Fila anda vagarosamente, como uma entidade, um organismo vivo, serpenteando por pernas e pernas e pés e caminhos. Já posso sentir o gosto da comida e nem ao menos lembro-me a quanto tempo ingressei junto à espera, talvez algumas horas. O suficiente para não enxergar o final da fila e ainda cedo para não distinguir onde devo chegar. Mas sei que há comida. Nessas épocas todo e qualquer homem arrisca-se a umas colheradas de graça, um pouco de benção ao estomago sem o peso das ferramentas na mão para se fazer valer uma garfada. Todos se arriscam, talvez por isso hajam tantas pernas, e rostos. Rostos de olhos que fitam os calcanhares precedentes, eles são o ritmo, o caminho para atravessar o estômago da Serpente, cruzar o próximo portão e virar onde Ela toma o rumo da direita e some por detrás do muro cinza. Já não sei a quanto tempo estou aqui, talvez alguns minutos, junto a multidão, caminhando para o alistamento. Não, talvez seja uma evacuação, ou uma busca religiosa. Sim, acho que era isso! Uma busca religiosa, uma peregrinação rumo a santificação. Se bem me lembro há uma peste, ou um juízo final, todos desejam beijar a mão do Papa e subir no ônibus divino, mas ainda restam muitas pessoas a minha frente, quiçá tenham mudado de anfitrião e o próprio Cristo tenha descido para entregar o bilhete premiado, isso explicaria todos esses homens e mulheres de olhar triste. Olhos tristes e cansados. A espera sempre degrada o homem, a cada momento um pouco da esperança de chegar ao fim vai sendo roubada, ou a esperança de retroceder, deixar a Fila, seguir para casa. Mas todos apenas andam, serpenteiam. Acho que já se passaram meses, talvez os rumos entre becos escuros e matas densas tenham me tirado a noção de espaço-tempo. Poderia verificar melhor o tempo corrido encarando a mim mesmo mas só enxergo calcanhares, nucas e voltas. E olhos tristes. Todos aceitam as voltas, aceitam a Fila, o mundo precisa de braços, e da carne que há neles. O mundo precisa alimentar a máquina, somos a ração do Estado. Todos aceitamos ir ao matadouro, estou aqui porque acredito na nação, serei dilacerado com prazer e depois retirado dos dentes da linha de montagem com um grande palito de dente de metal. E por isso esperaria o tempo que fosse necessário. Somos gado, um grande rebanho de bois vestidos e de dentes escovados, temos o olhar triste do bovino mas não a força que há nele, mas somos muitos, somos uma nação. E estamos aqui há um tempo indeterminado. Caminho. Devo estar chegando em Sua garganta, logo serei regurgitado envolto em pelos e ossos. Não sei o que me espera mas ouço o ronco das engrenagens. Tenho medo, mas sigo a Fila. Não sou nada além de calcanhares que seguem e são seguidos.
terça-feira, 22 de setembro de 2009
Fome
O que se perde
detrás das órbitas
secas, de pálpebras inchadas
e fluxo quebrado.
E bem ao fundo
onde deveriam
ser só paredes
há um fino
timbre
de vontade
desconcertada.
detrás das órbitas
secas, de pálpebras inchadas
e fluxo quebrado.
E bem ao fundo
onde deveriam
ser só paredes
há um fino
timbre
de vontade
desconcertada.
quinta-feira, 17 de setembro de 2009
Marca
Ontem mergulhei num abraço
e o deixei com um beijo
de boa noite.
As vezes o Sol não nasce
por dias,
então agradeço
as marcas de tinta
e sangue
que duram, silênciosas,
pela escuridão e pela pele
até a vez
do bom dia.
(15/09/09)
e o deixei com um beijo
de boa noite.
As vezes o Sol não nasce
por dias,
então agradeço
as marcas de tinta
e sangue
que duram, silênciosas,
pela escuridão e pela pele
até a vez
do bom dia.
(15/09/09)
quarta-feira, 9 de setembro de 2009
O Desfeito.
José Maciel era homem normal
de nascença
e crescança
Filho segundo de três
cursou o fundamental
em escola de padres
e cedo descobriu não ter
de Deus atenção especial.
Para música mão
não possuia,
muito menos coração
para poesia.
Amar não amou
mas por fim
casou.
José era José
por documentação
bem podia ser Mané,
ou até Fernão.
Porém, era campeão
na fina arte da obtenção
de angústias e confecção
de nós,
o último no pescoço após
sua esposa fugir
sem ao menos se despedir
já de malas feitas
com sr. Marcos Freitas
que era só nome.
Hoje é matéria de óbito
de jornalista suspeito
que de algum jeito
trocou Maciel
por Coronél,
que virou pronome
e morreu desfeito
de nascença
e crescança
Filho segundo de três
cursou o fundamental
em escola de padres
e cedo descobriu não ter
de Deus atenção especial.
Para música mão
não possuia,
muito menos coração
para poesia.
Amar não amou
mas por fim
casou.
José era José
por documentação
bem podia ser Mané,
ou até Fernão.
Porém, era campeão
na fina arte da obtenção
de angústias e confecção
de nós,
o último no pescoço após
sua esposa fugir
sem ao menos se despedir
já de malas feitas
com sr. Marcos Freitas
que era só nome.
Hoje é matéria de óbito
de jornalista suspeito
que de algum jeito
trocou Maciel
por Coronél,
que virou pronome
e morreu desfeito
quinta-feira, 3 de setembro de 2009
Símbolo Rachado
Quando ponho os pés na grama
Pés que não o são
grama, cujo nome não é
de parto pronto,
o absoluto
nada.
Pés que não o são
grama, cujo nome não é
de parto pronto,
o absoluto
nada.
quarta-feira, 26 de agosto de 2009
A âncora.
Não há tempo
para a razão-animal,
para
o amor comedido,
a culpa assumida ou
a sentença aceita.
Não há tempo
para acender velas,
curar a peste,
explicar a guerra e
perdoar.
Pois somos, ao todo,
olhos e vontades
fome, sede e
cópula.
Pés
terra
pêlos.
e toda defesa
frente ao espelho
é exercício
de distração.
para a razão-animal,
para
o amor comedido,
a culpa assumida ou
a sentença aceita.
Não há tempo
para acender velas,
curar a peste,
explicar a guerra e
perdoar.
Pois somos, ao todo,
olhos e vontades
fome, sede e
cópula.
Pés
terra
pêlos.
e toda defesa
frente ao espelho
é exercício
de distração.
segunda-feira, 24 de agosto de 2009
segunda-feira, 17 de agosto de 2009
À Vista
Segue a manhã
no trote do Sol,
banhando em dourado
tudo que se alonga à vista.
Dos lábios vermelhos
ao fino fio, linha sutíl
de cabelo que se enrosca no travesseiro.
- A marca de dentes pintada no céu de teu seio -
Finda o veneno.
Traz a sobriedade.
Que se ontem rasguei o céu,
hoje talho em carne a verdade.
no trote do Sol,
banhando em dourado
tudo que se alonga à vista.
Dos lábios vermelhos
ao fino fio, linha sutíl
de cabelo que se enrosca no travesseiro.
- A marca de dentes pintada no céu de teu seio -
Finda o veneno.
Traz a sobriedade.
Que se ontem rasguei o céu,
hoje talho em carne a verdade.
terça-feira, 11 de agosto de 2009
Pão
Nos doam um prato, opção única,
e cobram gratidão, duas vezes ao dia.
Somos só a sombra do essencial.
e cobram gratidão, duas vezes ao dia.
Somos só a sombra do essencial.
segunda-feira, 10 de agosto de 2009
9ª Sinfonia - IV. Presto - Allegro assai
Já fazem algumas semanas que a reforma no quarto em frente continua ininterruptamente. Logo cedo, por volta das 6:30 os primeiros ruídos começam a soar, primeiramente fraco até seu compositor animar-se com tal feito e arriscar um bolero com marretas e lixas.
Já fazem algumas semanas e sempre inicia-se por volta das 6:30, horário em que nos encontramos dormindo/acordados, tão sujeitos a interferências, a projeções exteriores. Estado de sono Beta como eu poderia chama-lo para criar uma falsa noção de embasamento científico. Marretas, pedregulhos, raspagens, isqueiro, tosse, marretas. E o que antes era um simples sonho erótico torna-se um ensaio de destruição neurológica.
Todos os cenários de guerras juntos formando um resumo teatral em prol da atrocidade humana e seus frutos colhidos sobre um insone moribundo e sua cama. Mil e uma balas ao repique do despertador. O pigarro de um gigante, talvez os dentes de Deus Ex Machina. Sim, Deus Ex Machina partindo rodovias pela fome, escolhendo o destino de cada homem por intermédio de seu impulso irracional. Vestindo a máscara de Crono, pedra por pedra, vida por vida. O valor desprezado a cada deglutição, cortando a tela da profecia de seus filhos.
Vejo a luta pelo ópio, o sinal de despejo, a tesoura gigante a podar nuvens. Toda uma geração a festejar sobre ossos infantis. Concreto de dentes e fluídos. Fetos em doses de martíni, dançando aos rodopios no giro do dedo que há de prova-lo.
Encaro meu próprio testamento sagrado. Sorrio aos maias, danço entre as estátuas da ilha de páscoa, abraço cada civilização deteriorada. Ouroboros cobre o equador e sua saliva, quente, cai como chuva de verão.
Eu poderia escrever um épico, poderia ter um machado e a sede da justiça, poderia enterrar toda minha sensibilidade em um qualquer lugar esquecido. Poderia mudar de quarto, mudar de casa, tomar opiáceos e enterrar a consciência sob o travesseiro. Mas todo o dia as 6:30 a sinfonia começa e a cada dia decoro uma nova nota.
Já fazem algumas semanas e sempre inicia-se por volta das 6:30, horário em que nos encontramos dormindo/acordados, tão sujeitos a interferências, a projeções exteriores. Estado de sono Beta como eu poderia chama-lo para criar uma falsa noção de embasamento científico. Marretas, pedregulhos, raspagens, isqueiro, tosse, marretas. E o que antes era um simples sonho erótico torna-se um ensaio de destruição neurológica.
Todos os cenários de guerras juntos formando um resumo teatral em prol da atrocidade humana e seus frutos colhidos sobre um insone moribundo e sua cama. Mil e uma balas ao repique do despertador. O pigarro de um gigante, talvez os dentes de Deus Ex Machina. Sim, Deus Ex Machina partindo rodovias pela fome, escolhendo o destino de cada homem por intermédio de seu impulso irracional. Vestindo a máscara de Crono, pedra por pedra, vida por vida. O valor desprezado a cada deglutição, cortando a tela da profecia de seus filhos.
Vejo a luta pelo ópio, o sinal de despejo, a tesoura gigante a podar nuvens. Toda uma geração a festejar sobre ossos infantis. Concreto de dentes e fluídos. Fetos em doses de martíni, dançando aos rodopios no giro do dedo que há de prova-lo.
Encaro meu próprio testamento sagrado. Sorrio aos maias, danço entre as estátuas da ilha de páscoa, abraço cada civilização deteriorada. Ouroboros cobre o equador e sua saliva, quente, cai como chuva de verão.
Eu poderia escrever um épico, poderia ter um machado e a sede da justiça, poderia enterrar toda minha sensibilidade em um qualquer lugar esquecido. Poderia mudar de quarto, mudar de casa, tomar opiáceos e enterrar a consciência sob o travesseiro. Mas todo o dia as 6:30 a sinfonia começa e a cada dia decoro uma nova nota.
sexta-feira, 7 de agosto de 2009
Quando cessa a tempestade
Domam-se os sons, o ar torna-se seco, seco o suficiênte para reavivar o fogo.
Esperamos entre matilhas na companhia da jura sussurada entre dentes, colhendo o esperado que desliza sobre a nudez.
Foram-se noites e chacais, e pontes, e fornalhas, e o holocausto particular.
Toco os lábios em seu ventre, o único fiélmente condecorado como meu assassino.
"Assim que a idéia do Dilúvio sossegou,
uma lebre se deteve entre os trevos e as campânulas, e fez sua prece ao arco-iris, através da teia de aranha."
Esperamos entre matilhas na companhia da jura sussurada entre dentes, colhendo o esperado que desliza sobre a nudez.
Foram-se noites e chacais, e pontes, e fornalhas, e o holocausto particular.
Toco os lábios em seu ventre, o único fiélmente condecorado como meu assassino.
"Assim que a idéia do Dilúvio sossegou,
uma lebre se deteve entre os trevos e as campânulas, e fez sua prece ao arco-iris, através da teia de aranha."
sexta-feira, 31 de julho de 2009
Sem Título.
Segue o galope cego do tempo,
onde agarramos com unhas a crina
de seus ponteiros impassíveis.
A diversão displicente foi ao chão,
toda busca por tempo perdido rompeu-se
sob os cascos ritmados.
Há necessidade pela velocidade,
fé na impagável sorte do alheio.
Vão-se os lances de concreto,
as pontes partidas.
Marca a terra vermelha
ao peso do momento.
Mas a mão,
a unha,
entrelaça mais forte as rédeas,
cobra a corrida à espora
até ver ofegar o entardecer.
Força o pulo,
relincha em compasso.
A quinta-feira partiu antes, mas já desponta ao pé da noite.
onde agarramos com unhas a crina
de seus ponteiros impassíveis.
A diversão displicente foi ao chão,
toda busca por tempo perdido rompeu-se
sob os cascos ritmados.
Há necessidade pela velocidade,
fé na impagável sorte do alheio.
Vão-se os lances de concreto,
as pontes partidas.
Marca a terra vermelha
ao peso do momento.
Mas a mão,
a unha,
entrelaça mais forte as rédeas,
cobra a corrida à espora
até ver ofegar o entardecer.
Força o pulo,
relincha em compasso.
A quinta-feira partiu antes, mas já desponta ao pé da noite.
segunda-feira, 27 de julho de 2009
Escuta, amigo.
Então fecha os olhos
e conserva a pura
expressão do lúdico
o masoquismo quase lisérgico
de cada folha completa
de odes ao vazio
nada lógico
do teu caráter laxo.
Lambe o irreal
da ausência do ter quarto
molda o retrato
de sua audácia pueril
e segue sozinho.
Pois eu digo, meu amigo
que o remetente de sua carta
já vem há tempos comigo.
e conserva a pura
expressão do lúdico
o masoquismo quase lisérgico
de cada folha completa
de odes ao vazio
nada lógico
do teu caráter laxo.
Lambe o irreal
da ausência do ter quarto
molda o retrato
de sua audácia pueril
e segue sozinho.
Pois eu digo, meu amigo
que o remetente de sua carta
já vem há tempos comigo.
sábado, 25 de julho de 2009
Tentações de St. Antão
Indo além dos 20 anos
de pés na neve e meditação,
com pedaços no enfarpado
da fronteira adiante,
o ermitão também sofre baixas
por fogo amigo.
- Um relógio de ouro!
Preço caro pela fadiga
e lógica nada previsível
da pena, da seda
ou da sífilis novecentista.
Sem símbolo, então,
a marcha é reversa
aos antonianos.
de pés na neve e meditação,
com pedaços no enfarpado
da fronteira adiante,
o ermitão também sofre baixas
por fogo amigo.
- Um relógio de ouro!
Preço caro pela fadiga
e lógica nada previsível
da pena, da seda
ou da sífilis novecentista.
Sem símbolo, então,
a marcha é reversa
aos antonianos.
sábado, 18 de julho de 2009
The tower and the city
"I always wanted to know what you think. We're talking philosophy this year. I have a lot of ideas myself but I never can put them togheter nice and logical. My philosophy is that you can't explain the world. It's too big and it's too crazy and sometimes it's funny and most of the time it's... Strange."
The Tower and the city. pp. 155
Jack Kerouac
The Tower and the city. pp. 155
Jack Kerouac
terça-feira, 14 de julho de 2009
Lúpus eritematoso sistêmico
De pescoço dado
ao garrote das mãos
do acaso
Tão sucetível
à sarcoidose,
inveja, amor
e tuberculose.
A carne herdeira
de males sistêmicos
Homens,
entidades auto-imunes.
ao garrote das mãos
do acaso
Tão sucetível
à sarcoidose,
inveja, amor
e tuberculose.
A carne herdeira
de males sistêmicos
Homens,
entidades auto-imunes.
domingo, 12 de julho de 2009
4 deJunho
Ela me disse
Que andaria sempre à direita
o que entendi:
“à minha direita”
E no final de uma tarde
e de uma garrafa
cessou, também, minha
estádia tão distante.
E, por fim, no beijo
de não-despedida
ela concedeu-me, novamente
todas as noites de minha vida
as quais levava consigo.
Que andaria sempre à direita
o que entendi:
“à minha direita”
E no final de uma tarde
e de uma garrafa
cessou, também, minha
estádia tão distante.
E, por fim, no beijo
de não-despedida
ela concedeu-me, novamente
todas as noites de minha vida
as quais levava consigo.
Fragmento.
O ponto de hélices voa acima da chuva, silencioso, sereno
Aqui embaixo o cheiro de poeira molhada e gasolina se estende
do começo da avenida até meus pulmões, que não se importam.
Assim deve ser a solidão, não dos exilados, separados ou perdidos,
esta é a solidão da cosmogonia divina, o estopim do que conhecemos.
Um pré-gênesis de irrelevância, um sussurro de tudo que importa.
Aqui embaixo o cheiro de poeira molhada e gasolina se estende
do começo da avenida até meus pulmões, que não se importam.
Assim deve ser a solidão, não dos exilados, separados ou perdidos,
esta é a solidão da cosmogonia divina, o estopim do que conhecemos.
Um pré-gênesis de irrelevância, um sussurro de tudo que importa.
terça-feira, 7 de julho de 2009
Resposta ao Karma
Aos poucos o rosto do rapaz ia se abrindo como planejado. Olavo sorria, arquitetando um sorriso mesclado que não lhe desse ares de bobo-sonhador. Tentava alcançar um tom de gentileza bordado de convicção, esse sim deveria funcionar.
Há 2 meses procurava emprego. A última empresa em que trabalhou deu-lhe experiencia e alguns meses de salário significativo, mas em tão pouco tempo a crise se instalou por lá e tratou de recortar boa parte do contingente efetivo. Na verdade não foram muitos, só ele, e tudo estaria bem se essa tal “crise” não fosse o cunhado desempregado do diretor.
Porém, amaldiçoar famílias unidas não lhe encheria o bolso , mas sim a gravata e o sorriso quebra-gelo que usava como armas para lançar-se a uma nova tentativa desesperadamente disfarçada.
- Então, Olavo, certo? Por que esse sorriso no rosto?
O senhor a sua frente mirava-o com seus pequenos olhos azuis, de maneira insignificante, enquanto preenchia alguns papéis aleatórios que se espalhavam pela mesa de mogno encerada. Era um tipo de altivez grotesca no alto de seus um metro e quase noventa de gordura e rugas. Os poucos fios brancos de cabelo salpicavam o topo de sua cabeçorra vermelha que já dava sinais de ceder aos efeitos da gravidade. O grande nariz de bexiga pendia frente ao rosto como uma bolha e o lábio inferior, caído, tinha aspecto de gelatina.
- Sorrisos não vendem caminhões. Conhecimento do produto os vendem. Diga-me, já trabalhou com isso?
Lábios trepidam. A palavra do grande Lorde foi lançada. Lorde da concessionária, Barão de RH, Duque da seleção de candidatos.
- Obrigado.
E foi assim. O velho obrigado seco e sem expectativas, uma daqueles que nos fazem implorar um pouco de mentira e esperança.
O rapaz levantou e saiu do escritório, atravessando a frota de monstros metálicos da Mercedes Benz para só, quando já longe do campo de visão do grande “outdoor” da empresa (o brasão real), desfazer sua máscara de pretensões e questionar os motivos dessa derrota. Caminhava com pressa rumo ao metrô. Talvez não tivesse construído a imagem necessária, talvez não fora tão simpático quanto deveria... Talvez...
E ao contornar a catraca e virar-se para a escada rolante, um sujeito qualquer, um apressado de cabelos bagunçados e corpo franzino, tromba de ombro contra Olavo e, no mesmo momento, roda sobre os calcanhares com um aceno e sorriso simpático estampado no rosto. - Desculpe, eu.. - mas é calado pelo punho de Olavo.
“Desculpe o caralho, e tira esse sorriso da cara!”
Há 2 meses procurava emprego. A última empresa em que trabalhou deu-lhe experiencia e alguns meses de salário significativo, mas em tão pouco tempo a crise se instalou por lá e tratou de recortar boa parte do contingente efetivo. Na verdade não foram muitos, só ele, e tudo estaria bem se essa tal “crise” não fosse o cunhado desempregado do diretor.
Porém, amaldiçoar famílias unidas não lhe encheria o bolso , mas sim a gravata e o sorriso quebra-gelo que usava como armas para lançar-se a uma nova tentativa desesperadamente disfarçada.
- Então, Olavo, certo? Por que esse sorriso no rosto?
O senhor a sua frente mirava-o com seus pequenos olhos azuis, de maneira insignificante, enquanto preenchia alguns papéis aleatórios que se espalhavam pela mesa de mogno encerada. Era um tipo de altivez grotesca no alto de seus um metro e quase noventa de gordura e rugas. Os poucos fios brancos de cabelo salpicavam o topo de sua cabeçorra vermelha que já dava sinais de ceder aos efeitos da gravidade. O grande nariz de bexiga pendia frente ao rosto como uma bolha e o lábio inferior, caído, tinha aspecto de gelatina.
- Sorrisos não vendem caminhões. Conhecimento do produto os vendem. Diga-me, já trabalhou com isso?
Lábios trepidam. A palavra do grande Lorde foi lançada. Lorde da concessionária, Barão de RH, Duque da seleção de candidatos.
- Obrigado.
E foi assim. O velho obrigado seco e sem expectativas, uma daqueles que nos fazem implorar um pouco de mentira e esperança.
O rapaz levantou e saiu do escritório, atravessando a frota de monstros metálicos da Mercedes Benz para só, quando já longe do campo de visão do grande “outdoor” da empresa (o brasão real), desfazer sua máscara de pretensões e questionar os motivos dessa derrota. Caminhava com pressa rumo ao metrô. Talvez não tivesse construído a imagem necessária, talvez não fora tão simpático quanto deveria... Talvez...
E ao contornar a catraca e virar-se para a escada rolante, um sujeito qualquer, um apressado de cabelos bagunçados e corpo franzino, tromba de ombro contra Olavo e, no mesmo momento, roda sobre os calcanhares com um aceno e sorriso simpático estampado no rosto. - Desculpe, eu.. - mas é calado pelo punho de Olavo.
“Desculpe o caralho, e tira esse sorriso da cara!”
segunda-feira, 22 de junho de 2009
Km 223
Foi ao tangenciar a rodovia principal
e cair na estrada secundária que
tudo que ignorava,
igualmente secundário,
trepidou e tocou o osso
do meu esterno.
E aos olhos de alma atormentada
2 quilômetros de girassóis
revestem com conforto irônico
minha tolice.
e cair na estrada secundária que
tudo que ignorava,
igualmente secundário,
trepidou e tocou o osso
do meu esterno.
E aos olhos de alma atormentada
2 quilômetros de girassóis
revestem com conforto irônico
minha tolice.
quinta-feira, 18 de junho de 2009
A Falange
Toda manhã
depois da trombeta
o batalhão cria vida
em viva falange.
E no grito:
- Meia volta,volver.
A viva falange
bebe um gole
de agonia.
depois da trombeta
o batalhão cria vida
em viva falange.
E no grito:
- Meia volta,volver.
A viva falange
bebe um gole
de agonia.
segunda-feira, 8 de junho de 2009
Amigo do alheio.
Venci com mãos de copas
Em silêncio, quase blefando
sorrateiro, de mangas largas.
Do box 7 as pernas de pau
tomam a dianteira
Exata! 20 moedas nas mãos
Antolhos ao vencedor.
Algumas doses,
e boa sorte no que for.
Em silêncio, quase blefando
sorrateiro, de mangas largas.
Do box 7 as pernas de pau
tomam a dianteira
Exata! 20 moedas nas mãos
Antolhos ao vencedor.
Algumas doses,
e boa sorte no que for.
quinta-feira, 28 de maio de 2009
Expediente
Em fim de tarde,
de pernas cansadas
de horas de espera,
em beijo de alívio
na paz alcançada
toda medalha
é graça concedida
Em fim de quarta
de fé, fome
e desconsolo
Deus desce aos homens
em reflexo
de vidro fosco.
de pernas cansadas
de horas de espera,
em beijo de alívio
na paz alcançada
toda medalha
é graça concedida
Em fim de quarta
de fé, fome
e desconsolo
Deus desce aos homens
em reflexo
de vidro fosco.
quarta-feira, 27 de maio de 2009
Canto Primeiro ao Nada
A meia-noite já teria passado a tempo. Sem Hermes de Zeus, sem estalos no calçamento ou o corvo de Odin.
A luz fraca da lâmpada incandescente jorra entre as fendas da janela, as sombras dos móveis sussurram, conspiram, imitam o divino que lhes pertence por direito.
A fera, amarga, senta ao colo. A espada arranha a espinha dorsal. Os sapos, o caranguejo e a víbora.
Sem mais níqueis de Tânia. Ou lábios de Ivich. A ferida já aberta no peito do Leão veneziano.
A festa acabou, o conhaque acabou, mas a luz, amarela e lângiida espreita à janela.
O vírus e a água empoçada nos pulmões. O tiro já foi dado, a morte decretada.
Do nada ao caos e no caos a integração da ordem de argila, a paz cega e estúpida.
A estúpidez do nada.
Já teria passado a meia-noite. O pai já abandonará o filho, não seria a primeira vez.
A luz fraca da lâmpada incandescente jorra entre as fendas da janela, as sombras dos móveis sussurram, conspiram, imitam o divino que lhes pertence por direito.
A fera, amarga, senta ao colo. A espada arranha a espinha dorsal. Os sapos, o caranguejo e a víbora.
Sem mais níqueis de Tânia. Ou lábios de Ivich. A ferida já aberta no peito do Leão veneziano.
A festa acabou, o conhaque acabou, mas a luz, amarela e lângiida espreita à janela.
O vírus e a água empoçada nos pulmões. O tiro já foi dado, a morte decretada.
Do nada ao caos e no caos a integração da ordem de argila, a paz cega e estúpida.
A estúpidez do nada.
Já teria passado a meia-noite. O pai já abandonará o filho, não seria a primeira vez.
segunda-feira, 25 de maio de 2009
São Matheus
Um latido fino e estridente ecoa na pequena gruta de tijolos e garrafas, despertando a alma de toda gente bêbada e faminta de atenção.
- Quié, Matheus? O que você quer?
A mão afaga a cabeça do pequeno Matheus, que com mais um latido agudo lança olhos para um pedaço indefinido de carne que roda, devagar, numa churrasqueira negra de fuligem e descuido.
- Por que não está em casa, hein? - A mão tem voz aveludada quando se aproxima do pequeno, amigável, atenciosa. - Vamos me acompanhar pra casa, vamos? Vem!
Os pelos de avelã de Matheus se eriçam e um meio sorriso patético de cão se abre em sua boca, deixando a lingua abobada dançar entre a fenda de seu rosto. Ele pula, dança em torno de sua mão que afaga.
Mais um dia de fome para o pequeno santo Matheus de pelos sujos. Mas um dia comum para o desconcerto da conversa de bar. Mais uma história sem importância de um cotidiano sem importância.
- Quié, Matheus? O que você quer?
A mão afaga a cabeça do pequeno Matheus, que com mais um latido agudo lança olhos para um pedaço indefinido de carne que roda, devagar, numa churrasqueira negra de fuligem e descuido.
- Por que não está em casa, hein? - A mão tem voz aveludada quando se aproxima do pequeno, amigável, atenciosa. - Vamos me acompanhar pra casa, vamos? Vem!
Os pelos de avelã de Matheus se eriçam e um meio sorriso patético de cão se abre em sua boca, deixando a lingua abobada dançar entre a fenda de seu rosto. Ele pula, dança em torno de sua mão que afaga.
Mais um dia de fome para o pequeno santo Matheus de pelos sujos. Mas um dia comum para o desconcerto da conversa de bar. Mais uma história sem importância de um cotidiano sem importância.
quinta-feira, 14 de maio de 2009
Às Cegas
Em noite de topos,
atirado aos negros
fios de cabelo,
arranco-lhe a lua
do céu de teu seio.
Para em manhã de ressaca,
de meia-alma,
vislumbrar a fenda
com que marquei o dia.
quinta-feira, 9 de abril de 2009
Troca
Não há gama de conjunto maior do os componentes estruturais do que chamamos de sentimento humano.
A saudade, a ternura, o ódio, o amor, etc.
Fruto de anos e anos de amadurecimento pessoal e tão suscetível a abalos posteriores. Do amor ao ódio. Dá água ao vinho. Na atenção demasiada a terceiros, num olhar amigo, no abraço das pernas de outras mulheres.
Ela tinha 16 anos quando a conheci. Meu pequeno anjo, a inocência que me faltava, não por necessidade, mas por opção.
--------------
Ela caminha nervosa, de um lado ao outro da sala, enquanto permaneço deitado olhando fixamente para o teto. Lá em cima aquela antiga infiltração, a qual havia prometido a ela ter verificado há muito tempo, cria pequenas bolhas de tintas sobre nossas cabeças, em silêncio.
O baixinho da imobiliária havia me garantido que tudo estava em perfeito estado, porém, lá estão aqueles olhos de tinta e água para me lembrar das promessas não cumpridas.
- Filha da puta. Não podia ter feito isso, não comigo! Filha da...
Estico-me, tentando alcançar a almofada mais ao lado, ao pé do sofá, e com um movimento lateral escorrego pelo tapete até senti-la abaixo da cabeça.
Admito não ter sido tão dedicado como uma vez dissera ser, “muito longe do que eu esperava” ela diz, mas afinal, onde estaria a perfeição esperada? Sobre a mesa de centro? Na almofada sob minha cabeça? Na quinta sinfonia de Beethoven? Na infiltração no teto? Fomos tão espontâneos quanto à mancha no tapete.
Ela senta no sofá. Mão tremula. O rádio ainda ligado, como antes de ser interrompido pelo estopim, põe-se a cantar como um barítono europeu... Cômico.
- Assim será melhor - ela diz entre soluços e lágrimas que agora lhe saltam dos olhos como cascata – Depois de tudo que me fez, seu imundo, assim será melhor. Não... Não posso olhar para essa sua cara novamente... Imundo!
Deus, sei que errei. E perante ti aceito meus erros. E perante ela peço perdão, não com palavras, peço perdão aceitando cada palavra que me é dedicada. Cada insulto. por cada mentira anterior. Aceito a raiva por ter sido o autor da tristeza.
A música acaba e fecho os olhos. Ela se levanta. A mancha no tapete aumente. Sinto frio.
- Desculpe-me querida.
Ela soluça e engatilha mais uma vez o revolver.
A dor pela dor. Coração partido por coração partido.
Tão suscetível.
Troca justa.
(Texto não revisado e não lapidado.)
A saudade, a ternura, o ódio, o amor, etc.
Fruto de anos e anos de amadurecimento pessoal e tão suscetível a abalos posteriores. Do amor ao ódio. Dá água ao vinho. Na atenção demasiada a terceiros, num olhar amigo, no abraço das pernas de outras mulheres.
Ela tinha 16 anos quando a conheci. Meu pequeno anjo, a inocência que me faltava, não por necessidade, mas por opção.
--------------
Ela caminha nervosa, de um lado ao outro da sala, enquanto permaneço deitado olhando fixamente para o teto. Lá em cima aquela antiga infiltração, a qual havia prometido a ela ter verificado há muito tempo, cria pequenas bolhas de tintas sobre nossas cabeças, em silêncio.
O baixinho da imobiliária havia me garantido que tudo estava em perfeito estado, porém, lá estão aqueles olhos de tinta e água para me lembrar das promessas não cumpridas.
- Filha da puta. Não podia ter feito isso, não comigo! Filha da...
Estico-me, tentando alcançar a almofada mais ao lado, ao pé do sofá, e com um movimento lateral escorrego pelo tapete até senti-la abaixo da cabeça.
Admito não ter sido tão dedicado como uma vez dissera ser, “muito longe do que eu esperava” ela diz, mas afinal, onde estaria a perfeição esperada? Sobre a mesa de centro? Na almofada sob minha cabeça? Na quinta sinfonia de Beethoven? Na infiltração no teto? Fomos tão espontâneos quanto à mancha no tapete.
Ela senta no sofá. Mão tremula. O rádio ainda ligado, como antes de ser interrompido pelo estopim, põe-se a cantar como um barítono europeu... Cômico.
- Assim será melhor - ela diz entre soluços e lágrimas que agora lhe saltam dos olhos como cascata – Depois de tudo que me fez, seu imundo, assim será melhor. Não... Não posso olhar para essa sua cara novamente... Imundo!
Deus, sei que errei. E perante ti aceito meus erros. E perante ela peço perdão, não com palavras, peço perdão aceitando cada palavra que me é dedicada. Cada insulto. por cada mentira anterior. Aceito a raiva por ter sido o autor da tristeza.
A música acaba e fecho os olhos. Ela se levanta. A mancha no tapete aumente. Sinto frio.
- Desculpe-me querida.
Ela soluça e engatilha mais uma vez o revolver.
A dor pela dor. Coração partido por coração partido.
Tão suscetível.
Troca justa.
(Texto não revisado e não lapidado.)
sexta-feira, 30 de janeiro de 2009
A queda do Front
Deveria parar de marchar.
Os passos criam novas paisagens e o peso do mundo recai sobre o pelotão. Já não posso erguer o pescoço.
Durante anos a doença instalou-se em meus músculos, as veias haviam empoçado, porém, marchei. E a marcha curou-me o corpo e estendeu a vitória sob o céu, plano e rígido.
O pelotão canta ao avanço e eu só tenho 25 centavos no bolso.
Cantam sobre antigas guerras e epopéias românticas, mas a fome ensurdece.
“Mais mil passos, soldados! A próxima cidade nos promete camas quentes e uma ducha! Mais mil passos e torçam para abraçarem um céu de azul limpo, a próxima cidade estará em ruínas.”
Ainda tenho 25 centavos, talvez dê para um souvenir.
Mas o céu ainda é plano e rígido. Como a rótula de meu joelho, como as vértebras de minha espinha.
Já não posso erguer o pescoço. E a parada seguinte logo despontará no horizonte.
Os passos criam novas paisagens e o peso do mundo recai sobre o pelotão. Já não posso erguer o pescoço.
Durante anos a doença instalou-se em meus músculos, as veias haviam empoçado, porém, marchei. E a marcha curou-me o corpo e estendeu a vitória sob o céu, plano e rígido.
O pelotão canta ao avanço e eu só tenho 25 centavos no bolso.
Cantam sobre antigas guerras e epopéias românticas, mas a fome ensurdece.
“Mais mil passos, soldados! A próxima cidade nos promete camas quentes e uma ducha! Mais mil passos e torçam para abraçarem um céu de azul limpo, a próxima cidade estará em ruínas.”
Ainda tenho 25 centavos, talvez dê para um souvenir.
Mas o céu ainda é plano e rígido. Como a rótula de meu joelho, como as vértebras de minha espinha.
Já não posso erguer o pescoço. E a parada seguinte logo despontará no horizonte.
domingo, 18 de janeiro de 2009
Quarto Andar
A tarde escorria por entre os prédios quando alcancei meu andar. Era sempre um alivio tirar os pés daquela caixa de metal pequena e barulhenta a qual os moradores mais antigos chamavam de elevador. Era agradável sentir o chão firme sub os pés e deixar de pendular andares acima a deriva de um velho cabo de aço que, imagino eu, já estaria saturado de erguer senhoras gordas.
Pois bem, com a graça dos céus sai da pequena caixa metálica e caminhei até a porta do apartamento. Trazia algumas cervejas dentro da sacola, as que pude comprar com o dinheiro que sobrará após a bebedeira que havia iniciado ao meio-dia.
O apartamento cheirava a cigarro, cerveja quente e comida semi-pronta, definitivamente não era algo com que eu me preocupasse, na verdade adorava aquele cheiro, aquela iluminação fosca, as janelas abertas para a vigília dos vizinhos. Durante meses aquele havia sido meu lar e acredito que nesse momento já havia se adequado totalmente a mim. Meu útero.
Peguei uma das latas, que ainda estava gelada, e deixei a sacola no chão, próxima ao colchão do quarto.
Dei o primeiro gole naquela lata, gole que já não mantinha o mesmo prazer dos primeiros do dia em que toda a alma é lavada, jogando todas as causas garganta abaixo, essa lata, em particular, tinha como função tratar o corpo. Alimentar o doente após o fim da enfermidade para dar-lhe forças.
Debrucei-me na janela, como de costume, e observei o movimento da rua. A vida no asfalto. De cima era como enxergar um teatro de fantoches, ou um viveiro de cupins, cada um com suas obrigações, cabecinhas autônomas cortando o asfalto e batendo suas antenas contra outras antenas que por sua vez voltavam do trabalho, procuravam diversão, bebiam suas latas de cerveja.
Cupins, fantoches, humanos! O que seriam homens se não componentes da base de uma sociedade viva por si só? Incrustados em suas grandes cascas de calcário e concreto, dando vida ao caos de uma vontade maior. No centro de uma cidade grande como essa, respirando os gases da grande mãe. Da colônia.
Qual o mais próximo de si mesmo que alguém pode alcançar se não a barreira dos desejos primordiais para toda forma de existência? A fome, a dor, o calor, a sexualidade (essa última mais do que o resto).
Termino mais essa lata. Pronto para manter a dignidade com mais 350 ml de desculpas particulares.
Apesar de tudo, é só um caso de desejo básico.
Pois bem, com a graça dos céus sai da pequena caixa metálica e caminhei até a porta do apartamento. Trazia algumas cervejas dentro da sacola, as que pude comprar com o dinheiro que sobrará após a bebedeira que havia iniciado ao meio-dia.
O apartamento cheirava a cigarro, cerveja quente e comida semi-pronta, definitivamente não era algo com que eu me preocupasse, na verdade adorava aquele cheiro, aquela iluminação fosca, as janelas abertas para a vigília dos vizinhos. Durante meses aquele havia sido meu lar e acredito que nesse momento já havia se adequado totalmente a mim. Meu útero.
Peguei uma das latas, que ainda estava gelada, e deixei a sacola no chão, próxima ao colchão do quarto.
Dei o primeiro gole naquela lata, gole que já não mantinha o mesmo prazer dos primeiros do dia em que toda a alma é lavada, jogando todas as causas garganta abaixo, essa lata, em particular, tinha como função tratar o corpo. Alimentar o doente após o fim da enfermidade para dar-lhe forças.
Debrucei-me na janela, como de costume, e observei o movimento da rua. A vida no asfalto. De cima era como enxergar um teatro de fantoches, ou um viveiro de cupins, cada um com suas obrigações, cabecinhas autônomas cortando o asfalto e batendo suas antenas contra outras antenas que por sua vez voltavam do trabalho, procuravam diversão, bebiam suas latas de cerveja.
Cupins, fantoches, humanos! O que seriam homens se não componentes da base de uma sociedade viva por si só? Incrustados em suas grandes cascas de calcário e concreto, dando vida ao caos de uma vontade maior. No centro de uma cidade grande como essa, respirando os gases da grande mãe. Da colônia.
Qual o mais próximo de si mesmo que alguém pode alcançar se não a barreira dos desejos primordiais para toda forma de existência? A fome, a dor, o calor, a sexualidade (essa última mais do que o resto).
Termino mais essa lata. Pronto para manter a dignidade com mais 350 ml de desculpas particulares.
Apesar de tudo, é só um caso de desejo básico.
sexta-feira, 16 de janeiro de 2009
Janeiro.
Chove fino sobre a comprida rua Sete, cobrindo-a de manto cinzento. Um branco sujo. Chove fino, mas tão fino que somado ao calor dá-se a impressão de caírem cinzas do céu. Um teatro modesto de Pompéia.
O silêncio, presente no passo de cada passante, assiste ao olhar atencioso lançado pelo velho à vitrine de sapatos femininos, as senhoras e seus passeios de fim de tarde, ápice da emoção cotidiana.
Os carros fluem num tráfico lento, quase orgânico, de motores abafados e cinzas de chuva salpicando o pára-brisa.
Os jardins dançam, as máquinas registradoras cospem notas de dois reais.
Num final de tarde comum o mundo, alheio, dá voz a chuva fina. Dá voz ao silêncio.
O silêncio, presente no passo de cada passante, assiste ao olhar atencioso lançado pelo velho à vitrine de sapatos femininos, as senhoras e seus passeios de fim de tarde, ápice da emoção cotidiana.
Os carros fluem num tráfico lento, quase orgânico, de motores abafados e cinzas de chuva salpicando o pára-brisa.
Os jardins dançam, as máquinas registradoras cospem notas de dois reais.
Num final de tarde comum o mundo, alheio, dá voz a chuva fina. Dá voz ao silêncio.
sábado, 10 de janeiro de 2009
Primeiro Evangélho segundo a Guerra Fria.
No último segundo a terra sussurra, estremecendo sorrisos e envolvendo todo o céu em seu enorme abraço de poeira.
Sobe o majestoso pilar da digníssima humanidade, fazendo arfar suas asas.
A água borbulha para ouvir ao sermão de st.Antônio., as palmeiras na praia da Ilha de Natal dançam ao verão afélio posando para o novo cartão postal.
E com o ruído de cem milhões de palmas presentes, a grande fissão de Deus espalha seus anjos de urânio para abençoar todas as nossas crianças.
Que seja bem vindo o novo Gêneses.
Sobe o majestoso pilar da digníssima humanidade, fazendo arfar suas asas.
A água borbulha para ouvir ao sermão de st.Antônio., as palmeiras na praia da Ilha de Natal dançam ao verão afélio posando para o novo cartão postal.
E com o ruído de cem milhões de palmas presentes, a grande fissão de Deus espalha seus anjos de urânio para abençoar todas as nossas crianças.
Que seja bem vindo o novo Gêneses.
quarta-feira, 7 de janeiro de 2009
Trecho.
“Uma neblina láctea e densa cobria a cidade. Svidrigáilov tomou uma calçada de madeira suja, escorregadia, na direção do Pequeno Nievá. Teve a impressão de ter visto as águas do Pequeno Nievá subirem muito durante a noite, a ilha de Pedro, os caminhos molhados, a grama molhada, as árvores e os arbustos molhados e, por fim, aquele mesmo arbusto... Agastado, começou a examinar as casas, tentando pensarem alguma outra coisa. Na avenida não cruzou com um único transeunte, com um só cocheiro. As casinhas de madeira em amarelo claro, com seus contraventos fechados, tinham um aspecto triste e sujo. O frio e a umidade lhe penetravam em todo o corpo, e ele começou a sentir calafrios. De raro em raro cruzava com letreiros de mercearias e vendas de legumes e lia minuciosamente cada um deles. A calçada de madeira já terminara. Ele já alcançava uma grande casa de pedra. Uma cachorrinha suja e gelada cortou-lhe o caminho com o rabo encolhido. Um individuo morto de bêbado,metido num capote, estava estirado na calçada, atravessado de cara para o chão. Ele o olhou e seguiu em frente. A esquerda projetou-se uma torre de bombeiros. “Vejam só! – pensou ele- ora, eis o lugar, por que ir à ilha de Pedro? Aqui pelo menos tenho testemunha oficial...” Por pouco não sorriu dessa nova idéia e dobrou para a rua -skaia. Ali ficava um prédio, grande com a torre dos bombeiros. À entrada dos portões do prédio, grandes e fechados, um homem não muito alto apoiava o ombro neles, metido num casaco cinzento de soltado e com um capacete de cobre como o de Aquiles. Com o olhar sonolento olhou com frieza e de esguelha para Svidrigáilov, que se aproximava. Em seu rosto notava-se eterno sofrimento de resmungão, que marcara de modo tão azedo todos os rostos da tribo judia sem exceção. Ambos, Svidrigáilov e Aquiles, ficaram algum tempo se examinando em silêncio. Por fim Aquiles achou uma violação da ordem um homem que não estivesse bêbado estar em pé a três passos dele, encarando-o e sem dizer uma palavra.
- E o qué senhór dese-e-eja aqui? – pronunciou ele, mas ainda sem se mexer e nem mudar de posição.
- Nada, meu irmão, bom dia! – respondeu Svidrigáilov.
- Aqui non é logar.
- Meu irmão, estou indo para terras estranhas.
- Para terras estranhas?
- Para a América.
- Para a América?
Svidrigáilov tirou o revólver e armou o gatilho. Aquiles soergueu as sobrancelhas.
- O que é isso? Essas brincadeiras aqui non é logar
- Sim, mas por que não seria lugar?
- Porqué non é lugar.
- Bem, meu irmão, para mim dá no mesmo. O lugar é bom, se te perguntarem, responde assim mesmo, que foi para a América.
Encostou o cano do revólver na sua têmpora direita.
- Mas aqui non pode, aqui non é lugar! – Aquiles ficou agitado, arregalando cada vez mais e mais as grandes pupilas.
Svidrigáilov apertou o gatilho."
Crime e Castigo - Fiódor Dostoiévski
- E o qué senhór dese-e-eja aqui? – pronunciou ele, mas ainda sem se mexer e nem mudar de posição.
- Nada, meu irmão, bom dia! – respondeu Svidrigáilov.
- Aqui non é logar.
- Meu irmão, estou indo para terras estranhas.
- Para terras estranhas?
- Para a América.
- Para a América?
Svidrigáilov tirou o revólver e armou o gatilho. Aquiles soergueu as sobrancelhas.
- O que é isso? Essas brincadeiras aqui non é logar
- Sim, mas por que não seria lugar?
- Porqué non é lugar.
- Bem, meu irmão, para mim dá no mesmo. O lugar é bom, se te perguntarem, responde assim mesmo, que foi para a América.
Encostou o cano do revólver na sua têmpora direita.
- Mas aqui non pode, aqui non é lugar! – Aquiles ficou agitado, arregalando cada vez mais e mais as grandes pupilas.
Svidrigáilov apertou o gatilho."
Crime e Castigo - Fiódor Dostoiévski
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