domingo, 18 de janeiro de 2009

Quarto Andar

A tarde escorria por entre os prédios quando alcancei meu andar. Era sempre um alivio tirar os pés daquela caixa de metal pequena e barulhenta a qual os moradores mais antigos chamavam de elevador. Era agradável sentir o chão firme sub os pés e deixar de pendular andares acima a deriva de um velho cabo de aço que, imagino eu, já estaria saturado de erguer senhoras gordas.
Pois bem, com a graça dos céus sai da pequena caixa metálica e caminhei até a porta do apartamento. Trazia algumas cervejas dentro da sacola, as que pude comprar com o dinheiro que sobrará após a bebedeira que havia iniciado ao meio-dia.
O apartamento cheirava a cigarro, cerveja quente e comida semi-pronta, definitivamente não era algo com que eu me preocupasse, na verdade adorava aquele cheiro, aquela iluminação fosca, as janelas abertas para a vigília dos vizinhos. Durante meses aquele havia sido meu lar e acredito que nesse momento já havia se adequado totalmente a mim. Meu útero.
Peguei uma das latas, que ainda estava gelada, e deixei a sacola no chão, próxima ao colchão do quarto.
Dei o primeiro gole naquela lata, gole que já não mantinha o mesmo prazer dos primeiros do dia em que toda a alma é lavada, jogando todas as causas garganta abaixo, essa lata, em particular, tinha como função tratar o corpo. Alimentar o doente após o fim da enfermidade para dar-lhe forças.
Debrucei-me na janela, como de costume, e observei o movimento da rua. A vida no asfalto. De cima era como enxergar um teatro de fantoches, ou um viveiro de cupins, cada um com suas obrigações, cabecinhas autônomas cortando o asfalto e batendo suas antenas contra outras antenas que por sua vez voltavam do trabalho, procuravam diversão, bebiam suas latas de cerveja.
Cupins, fantoches, humanos! O que seriam homens se não componentes da base de uma sociedade viva por si só? Incrustados em suas grandes cascas de calcário e concreto, dando vida ao caos de uma vontade maior. No centro de uma cidade grande como essa, respirando os gases da grande mãe. Da colônia.
Qual o mais próximo de si mesmo que alguém pode alcançar se não a barreira dos desejos primordiais para toda forma de existência? A fome, a dor, o calor, a sexualidade (essa última mais do que o resto).
Termino mais essa lata. Pronto para manter a dignidade com mais 350 ml de desculpas particulares.
Apesar de tudo, é só um caso de desejo básico.

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