quarta-feira, 7 de janeiro de 2009

Trecho.

“Uma neblina láctea e densa cobria a cidade. Svidrigáilov tomou uma calçada de madeira suja, escorregadia, na direção do Pequeno Nievá. Teve a impressão de ter visto as águas do Pequeno Nievá subirem muito durante a noite, a ilha de Pedro, os caminhos molhados, a grama molhada, as árvores e os arbustos molhados e, por fim, aquele mesmo arbusto... Agastado, começou a examinar as casas, tentando pensarem alguma outra coisa. Na avenida não cruzou com um único transeunte, com um só cocheiro. As casinhas de madeira em amarelo claro, com seus contraventos fechados, tinham um aspecto triste e sujo. O frio e a umidade lhe penetravam em todo o corpo, e ele começou a sentir calafrios. De raro em raro cruzava com letreiros de mercearias e vendas de legumes e lia minuciosamente cada um deles. A calçada de madeira já terminara. Ele já alcançava uma grande casa de pedra. Uma cachorrinha suja e gelada cortou-lhe o caminho com o rabo encolhido. Um individuo morto de bêbado,metido num capote, estava estirado na calçada, atravessado de cara para o chão. Ele o olhou e seguiu em frente. A esquerda projetou-se uma torre de bombeiros. “Vejam só! – pensou ele- ora, eis o lugar, por que ir à ilha de Pedro? Aqui pelo menos tenho testemunha oficial...” Por pouco não sorriu dessa nova idéia e dobrou para a rua -skaia. Ali ficava um prédio, grande com a torre dos bombeiros. À entrada dos portões do prédio, grandes e fechados, um homem não muito alto apoiava o ombro neles, metido num casaco cinzento de soltado e com um capacete de cobre como o de Aquiles. Com o olhar sonolento olhou com frieza e de esguelha para Svidrigáilov, que se aproximava. Em seu rosto notava-se eterno sofrimento de resmungão, que marcara de modo tão azedo todos os rostos da tribo judia sem exceção. Ambos, Svidrigáilov e Aquiles, ficaram algum tempo se examinando em silêncio. Por fim Aquiles achou uma violação da ordem um homem que não estivesse bêbado estar em pé a três passos dele, encarando-o e sem dizer uma palavra.
- E o qué senhór dese-e-eja aqui? – pronunciou ele, mas ainda sem se mexer e nem mudar de posição.
- Nada, meu irmão, bom dia! – respondeu Svidrigáilov.
- Aqui non é logar.
- Meu irmão, estou indo para terras estranhas.
- Para terras estranhas?
- Para a América.
- Para a América?
Svidrigáilov tirou o revólver e armou o gatilho. Aquiles soergueu as sobrancelhas.
- O que é isso? Essas brincadeiras aqui non é logar
- Sim, mas por que não seria lugar?
- Porqué non é lugar.
- Bem, meu irmão, para mim dá no mesmo. O lugar é bom, se te perguntarem, responde assim mesmo, que foi para a América.
Encostou o cano do revólver na sua têmpora direita.
- Mas aqui non pode, aqui non é lugar! – Aquiles ficou agitado, arregalando cada vez mais e mais as grandes pupilas.
Svidrigáilov apertou o gatilho."

Crime e Castigo - Fiódor Dostoiévski

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