Estamos todos reunidos, antes mesmo do Sol nascer. Toda manhã tomamos café da manhã juntos em uma grande mesa de madeira tosca embaixo de uma grande barraca improvisada formada por uma grande lona laranja sustentada por quatro tronos verticais. Seu Jacir, dono da terra e nosso empregador, dispunha alguns pães sobre a mesa. Manteiga e café suficientes para nos fazer trabalhar com mais vigor. Olho para os rostos que mastigam o início de seus dias. Somos, ao todo, cinco. Francisco, Moura e Donizete já estão comigo desde o começo do serviço, o quarto é um rapaz novo, Miguel, entrou há dois dias no lugar de Tomé.
Dou o último gole em minha pequena xícara de metal branca de pintura descascada e me levanto, caminhando sobre o chão de terra batida que já começa a ficar visível graças aos primeiros raios de luz.
Sou o primeiro a chegar ao caminhão. Sua carreta ainda está cheia de troncos retorcidos e montes de folhas. Às vezes o caminhão não era descarregado de um dia para o outro, trabalho que acabaria por ser feito por nós, ao fim do dia. Levo as mãos à lateral da velha carreta de madeira e pulo para dentro dela, arranjando um espaço entre todo o entulho. Sento-me sobre a madeira molhada pela garoa acumulada. Alguns minutos sozinho até ouvir os passos dos outros quatro. Junto deles o motorista gordo.
Todos se ajeitam nos espaços da carreta, o último a subir é o rapaz novo. Parece pensar que deveria nos respeitar por algum motivo. Todos permanecem quietos, sempre assim. A manhã é o momento mais triste do dia, é o momento onde, após deixar o calor do braço de sua esposa (e o da cama, para os mais sozinhos) se confronta a suave do sonho recém-findado com a aspereza da realidade iniciada. Foi difícil deixar os braços de Marília... Sempre é difícil, ninguém gosta de ter que acordar às quatro da manhã. Ninguém gostar de estar sentado aqui, entre os galhos retorcidos e molhados. Eu não gosto.
O motor grita meio esganiçado, tudo começa a estremecer e um pequeno corpo de fumaça foge do escapamento rouco. Sinto uma textura estranha entre os dedos, ao tentar me apoiar na madeira lateral da carreta. Um pequeno grilo, esmagado. Me limpo em minhas calças.
Então o dia, de fato, começa.
...
Calo-me com café ao acordar, e com o sono pelo resto da manhã. Calo-me para fazer do trabalho o mais produtivo possível. Calo-me ao meio-dia com o álcool que alguém sempre trás. Calo-me sem fechar a boca... Na verdade falo. Todos nós falamos, sentados ao lado do caminhão do qual estendemos uma lona velha para montar uma espécie de cabana onde a cabeça possa descansar do Sol. Entre um gole e outro, uma colherada no arroz frio, porém delicioso. Não faço questão de comer algo quente. O dia já é quente, nossos corpos já estão quentes de trabalho e cachaça. Ainda faltam horas até o fim do expediente e as ferramentas estão jogadas pelo campo. Talvez por isso bebamos.
Serras, machados, enxadas, capacetes, todas entre os grossos galhos de árvores e montes de terra revirada do terreno que limpamos. Dizem que aqui será uma plantação de cana. Ou soja. Sempre dizem algo diferente, mas a única coisa que sei é que se esse terreno todo fosse meu não precisaria nunca mais arrumar as terras dos outros. Plantaria alguns legumes, talvez alface ou beterraba. Tomates, cebola, cenoura. Haveria espaço para um cercado com galinhas e um chiqueiro onde criaria alguma dúzia de porcos gordos. Acordar cedo ainda acordaria, não teria escapatória, com uma terra desse tamanho teria de começar cedo o trabalho. Mas poderia almoçar em casa, poderia ver minha mulher e aliviar a saudade bem no meio do dia. Ou ela poderia me encontrar no meio do pomar e almoçaríamos juntos sob a sombra de uma grande goiabeira. É fácil pensar agora, a garrafa já no final. Volto a prestar atenção à minha volta e alguns riem cantando uma música de melodia fácil. Outros dormem com os capacetes cobrindo os olhos. Eu levanto e, só agora, percebo que o equilíbrio não é o mesmo. Saio da "cabana" e sou atingido em cheio pelo Sol. Quente! Aos poucos os olhos se acostumam à luz. Não lembro onde coloquei meu capacete, então caminho em direção a uma daquelas serras motorizadas.
"Se eu fosse o dono desta terra construiria minha casa bem ali em cima, no ponto mais alto, onde conseguiria enxergar tudo que é meu. E bem na ponta do telhado um galo cata-vento."
Aproximo-me de uma árvore com os galhos já cortados e empilhados ao seu lado. Puxo o fio que faz a serra treme e soltar um bafo quente de gasolina.
"Faria um cercado próximo aos limites da terra. Lá largaria uma galinha na véspera do natal para os garotos das redondezas..."
Dou um passo para trás e procuro um bom ângulo. Não vejo os troncos atrás de mim e bato com os calcanhares sobre eles. O resto dos trabalhadores se levanta rápido quando me escutam gritar. Consigo jogar a serra para o lado e sinto dor na coxa esquerda. A terra revirada é marrom e vermelha.
"Eu sangraria feliz por essa terra."
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