sexta-feira, 18 de novembro de 2011

Enquanto dorme o filho de Urano.

Tenho dificuldade de compreender o tempo em dias nublados. A ausência do sol transforma a cronologia do dia em um momento magnífico e estático. Sei que ainda é manhã, olhei o relógio há pouco e ele marcava 9:12. Chove, uma garoa muito fina porém constante. Não ligo para caminhar na chuva algumas vezes, mas é muito comum que isso apenas aconteça quando calço qualquer sapato furado. Hoje não é diferente, a meia começa a grudar na lateral do meu pé, o que faz a caminhada não ser tão confortável.
Antigamente não ligava para isso. Quando jovem, caminhar na chuva era revigorantemente trágico, era Bach. Toccata & Fugue. Lavava o corpo na noite e em constantes copos de bêbida, inspirando vigor e pó branco. Lembro-me, uma vez, cantar cego enquanto cruzava a cidade com um amigo. Andavamos rápido em um Corsa Classic. O brilho da chuva estava no asfalto como uma cópia perfeita do céu em sua escuridão e estrelas. Cantavamos alto, os pneus cantavam alto, deslizando no universo e nos jogando na lateral de um caminhão em plena Rebouças às 02:00 da manhã de uma quinta-feira. Meus pés tremiam, mas por dentro ainda cantava. Toccata & Fugue em D menor. BWV 565.
Meus pés tremiam como quando desci pela primeira vez em terras desconhecidas. Tremi sozinho, entre as ruas e bares, e hoteis e praças. A chuva veio gelada neste dia, dando um efeito de semi-hipotermia. A vida com tons de romantismo alemão, um modernismo grotesco baudelairiano. Porém os tons são só tons, e com pinceladas propositais. Quando jovem era um péssimo artista.
Ja mais velho pude ouvir a sinfonia da vida, e ela é a 40ª de Mozart. Ela é a alegria falsa que esconde a raiva por trás das palpebras. É a velocidades dos dias. É a fome do tempo. Ouvi o ruido do desprezo divino, senti a independência e como ela roe as beiradas de nossos corpos. Deixei as paixões para trás e amei, constantemente. Amar é um pouco como morrer.
Caminho na chuva, é uma garoa fina e constante. Tão constante que me completa, faz sentir o rosto formigar. Se me perguntar qual foi o ponto alto de minha vida, direi que é este. Esta chuva, este formigamento, este sapato molhado, porque só existe ele e o céu nublado desfaz a cronologia da vida. Meu momento é este, o Prelúdio do Suite nº 1 de Bach.

Um comentário:

Denise disse...

Com aprovação prévia de Denise! Hahahah, muito bom, como disse.