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Sento-me no banco do fundo. Não é horário de pico. 14:43. O ônibus trafega com poucas pessoas em seu interior. Respiro fundo, cheiro de suor e óleo de motor. Apesar de tudo gosto de caminhar pela cidade durante as tardes, o mundo é mais gentil. Durante a tarde as pessoas se dão licença, cumprimentam-se. Esquecem onde vivem, esquecem quem são. Eu não consigo, hoje, esquecer-me de quem sou. Sentei no último banco do ônibus, pois esse sempre foi meu lugar favorito. Tenho pavor de pessoas olhando minha nuca, pavor irracional. Daqui do fundo consigo seguir o ritmo do veículo, consigo sentir o ritmo das pessoas. Lá fora o sol castiga a brita das construções. Sorrio ao lembrar que, quando criança, o costumo em andar descalço era tão grande que podia andar de pés descalços no sol por horas a fio sem sentir qualquer desconforto. O carro ao lado buzina, no susto solto um disparo de tosse. Só um, como um tiro perdido.
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Durante a noite o ar fica mais difícil de inspirar. Sento-me à beira do colchão. A tosse seca volta e sinto o canto do peito doer. É difícil pensar em dormir, na verdade é difícil fechar os olhos. Nunca havia tido qualquer receio do escuro, até gostava dele. Lembro-me das palavras do médico, só das primeiras. As palavras duras e os olhos complacentes. Tosse. O quarto estaria totalmente escuro não fossem os feixes de luz amarelos, vindo das ruas, que estampam os pés da cama. Não lembrava desse cômodo ser tão grande. Tateio o criado-mudo em busca de um cigarro. Costumava ter um gato, costumava até o pequeno sumir - tateio - dizem que gatos morrem longe de casa. Talvez seja por esta estranha sensação de auto piedade presente nos lugares conhecidos. Essa negação do inevitável. Bom, concordo com os gatos, não se pode morrer nos braços de uma mãe. Imbecil, não fumo há meses.
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Peço para o motorista parar no próximo trevo onde a estrada se bifurca. Ele me olha de forma estranha, pode ter sido a primeira vez que alguém para nesse lugar. Me encara, mas para. Agradeço, faço questão de agradecer e desejar uma boa jornada de trabalho. São 10:00 da manhã, imagino. Ou algo próximo disso. Um dia bonito, como o último, poucas nuvens no céu que, neste descampado, fazem enormes sombras flutuarem sobre a plantação de cana à beira da estrada. O difícil de caminhar em um lugar como esse é que não há um ponto específico para se seguir. Escolho um dos caminhos entre os altos colmos e sigo. Enquanto entro mais fundo na plantação ouço mais um ônibus cruzar a estrada, seguido de dois ou três carros. Sorrio. “Arrivée de toujours, qui t’en iras partout.” li isso em algum lugar. O sol começa a castigar o topo da minha cabeça e o suor escorre pelo meu rosto. Dor no canto do peito e tosse, durou a noite toda, claro que não por avanço dos sintomas, mas sim por pura auto sugestão. Não quero controlar nada, não quero controlar o caminho nem o ritmo da minha respiração. Sigo. Uma das grandes sombras flutuantes me alcança e isso ameniza muito a caminhada. Mais um tiro de tosse e, agora, os sons da estrada não passam de ecos sem direção definida, não muito diferente de trovões.
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Não sei quanto caminhei, o sol parecia estar a pino quando o amontoado de cana-de-açucar ficou para trás e atravessei a cerca de arame farpada. A tosse vem mais forte, acho que sou eu que a forço. Acho que sou eu quem quer senti-la, quero seu gosto. Sinto um cheiro férreo. O caminho de terra batida termina num desfiladeiro de terra e pedras de onde tenho uma boa visão do horizonte. O vento quente, o cheiro férreo.
Lá embaixo, uma pequena casa destelhada protagoniza o meio da paisagem verde. As paredes manchadas insinuam seu propósito. Enquanto caminho em sua direção o cheiro de ferro aumenta e torna-se nauseante. As manchas não estão só nas paredes, estão pelo chão de terra batida, pela grama e pelo ferro fundido da marreta abandonada ao lado da porta. Um cão magro come os restos podres de uma carcaça bovina. Come e rosna quando me aproximo. Paro e o observo mastigar a carne acinzentada. A tosse volta e, desta vez, é ele que me olha. Tiro os sapatos e sinto a terra quente queimar a sola dos meus pés. O ar é quente e o céu continua azul. Sempre fui do tipo que gostava dos dias assim.
4 comentários:
sou um grande fã de fragmentos, e os seus além de muito inspiradores, são extremamente poéticos.
abraço.
Continua!
Não tem como continuar, para aí.
"Nublado
O céu está cinza e branco e nublado,
Às vezes eu acho que está pendurado em mim.
E é uma carona de uma centena de quilômetros.
Eu sou uma criança despenteada.
Sorriso pontudo pintado à mão.
Eu deixei a minha sombra à minha espera na estrada por um tempo.
Hey brilho do Sol
Eu não te vi em muito tempo.
Por que você não mostra o seu rosto e dobra minha mente?
Estas nuvens grudam ao céu
Como perguntas flutuantes, por quê?
E eles permanecem lá para morrer.
Eles não sabem para onde estão indo, e, meu amigo, nem eu"
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