Ela observa o rosto magro e salpicado de suor frio. Seus tremores haviam passado e agora só restava o corpo cansado, de respiração profunda. O sono como a fuga da dor.
Ela o observa. Havia passado a noite toda ao seu lado. Panos na testa, cobertores, água. Nunca quis ser médica, muito menos enfermeira, moribundos a irritavam, mas nesse caso era diferente.
Foram seis anos de um relacionamento medíocre dentro do esperado, e fabuloso dentro das possibilidades. Dessa forma, pela união matrimonial e aliciados pelo pensamento cristão, esses pequenos sacrifícios se faziam necessários. Foi uma noite comprida, mas finalmente os arrepios cessaram, assim como os gemidos e as alucinações febris.
Passa a mão, devagar, por seus cabelos ensopados. Rosto frio e calmo, talvez bem mais calmo do que deveria ser, talvez uma cura súbita, Não fazia diferença, nunca quis, mesmo, ser médica. Pouco lhe importava técnicas de reanimação, muito menos o conhecimento cogente para empregar diagnósticos. Este era seu marido, e ela havia feito o possível.
Lembrou-se de uma tarde em que o homem, que agora morria em sua frente, disse que a vida era perspectiva. Nunca foi um evento singular, mas uma representação instituída por aqueles inseridos nela.
“ Só somos vivos, na plenitude esperada, quando por meio de condições externas nos lembrados disso. Não é possível sentir-se vivo enquanto confortável no sofá. Medo, dor, tristeza... Isso realça nossa fragilidade e nos faz relembrar da vida. No mais, somos só efeito.”
Sofia o observa. Havia passado a noite toda ao lado de um homem vivo, mas nesse momento, o peito que doía mais era o dela. Sentiu sua própria fragilidade. Levantou-se e foi à sala onde pode, finalmente, deitar-se no sofá e sentir seu corpo pesar de sono. Estava viva e devia deixar seu morto em paz.
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