Após noites de chuva o céu se abre e trás consigo o calor. Um sopro quente sobre a cidade.
O dia foi cansativo, não lembrava de ter andado tanto assim desde a última viagem ao sul quando, vagando pelo desconhecido em busca de um lugar para dormir, cheguei a caminhar mais de 20 km pela manhã. Hoje não foram tantos km nem por tanto tempo consecutivo. O encontro com amigos, a cerveja gelada e a carona, que rendeu um bom caminho, ajudaram a aliviar a tensão das pernas e o suor do rosto, mas novamente estou caminhando.
A noite está quente. Passando sobre o viaduto que se ergue ao final da Eusébio Matoso sinto o cheiro morno do lixo que navega sobre o rio. Estou suspenso sobre colunas de metal e concreto, entre o bafo quente do céu que me amassa os cabelos e o vento quente do rio que sobe pelas barras da minha calça. Um super compressor urbano. Um souvenir para nos recordar quem somos, feito cada dejeto pluvial que desliza com a correnteza sem serventia e cheio de odores. Deixo o viaduto mas levo comigo o cheiro. Levo-o junto aos poros.
Mais a frente velhas carcaças de ônibus ainda insistem em transportarem velhos rostos que insistem em viver. Cruzamentos. Luzes. A cidade palpita levemente.
Subitamente, ao zigue-zaguear algumas ruas, a noite toma vida. A calçada explode em passos. A juventude toma os bares. “Um brinde!” e estranhamente todos eles tem algo a brindar. E quando não o tem brindam em silêncio, brindam em ritual ou brindam com a garrafa. Os sons se misturam, as risadas, as músicas, os carros e os vômitos. Dentro de cada grupo seu seguimento de som. E sobre todos, o bafo quente do céu. É como se cada brinde fosse o estouro de um novo big bang que resultasse num universo à parte por grupo. Sob o mesmo universo quente. Me sinto um arcanjo, voando entre mundos para lhes trazer o esgoto. O cheiro do passado.
Atravesso a cidade. Minhas pernas já dão sinais de fraqueza. Se não fosse a carona talvez eu tivesse caído já a um bom tempo atrás. Viro a primeira esquina que encontro e sento no banco de uma praça vazia. As pessoas ainda cantam e bebem. Sinto vontade de sair de lá o mais rápido possível e sairia se minhas pernas não doessem tanto. Obrigado a assistir a vida, talvez nesse momento eu fosse realmente um arcanjo, divinamente ocupado em acompanhar o nada. Mais ao lado um cachorro sai dentre os arbustos mal podados da praça. Me olha, sereno, e põe-se a coçar a orelha com a perna dianteira. Alheio, observa a multidão. Sorrio. “Se eu sou Gabriel, tu és Deus”.
Um comentário:
Oi, Luiz!
Gostei do que escreveste, muito!
Praticamente me senti em meio à multidão, brindando qualquer coisa, dentro de algum bar (que sequer eu conheço) de São Paulo, numa noite insuportavelmente quente e abafada.
hahahaha
Quero viajar...
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