quinta-feira, 2 de junho de 2011

Sol de inverno

Os garotos correm pela sala e fazem muito barulho sobre o assoalho de madeira. Eu não digo nada, só tento me cobrir melhor. George e Miguel gritam e correm, mas ninguém diz nada. Faz pouco tempo que amanheceu e minha poltrona já estava arrumada, depois de alcançá-la foi fácil me ajeitar. O inverno começou e se não me cobrir direito meus pés ficarão muito gelados. Tento me cobrir direito.
Quando era criança também costumava brincar muito. Meu pai não gostava da bagunça. Eu gosto. George e Miguel parecem, pelo menos, meia dúzia de crianças juntas, mas seus barulhos me ajudam a manter a atenção. Às vezes, quando o dia fica silencioso demais, não sei se estou dormindo ou acordado. Esqueço como é se sentir acordado.
O sol esquenta minha nuca. As cortinas devem estar abertas. No inverno é bom, aconchegante.
Os garotos correm na sala. Derrubam alguma coisa.
"Shhhhh! Não faz barulho!" diz Miguel "a mãe disse pra gente não incomoda o vô."
"Não to incomodando o vô, eu só derrubei aqui, ó!" sussurra George.
"Para de fazer barulho se não vo conta pra a mãe!" Miguel responde.
Não digo nada.
A correria recomeça, mas, aos poucos, se distancia. Fica distante e se dissipa no espaço aberto do quintal.
Quando eu era jovem fui à praia com uma garota. Tomamos algumas bebidas e caminhamos na areia durante muitas horas da tarde. O sol também esquentava minha nuca. Éramos jovens e ela tinha os olhos azuis. Não, eram castanhos, mas o mar era azul, e o céu era azul, e eles eram longos e desapareciam na vista. Lá no fundo tinha um navio ancorado, parecia de brinquedo e eu fiquei muito tempo olhando para ele. Não me lembro muito bem de como é o azul.
Quando era jovem costumava observar o mundo em silêncio, hoje eu não o enxergo mais. Hoje sinto que é o mundo que, ruidosamente, me observa.
George e Miguel correm sobre o assoalho de madeira. Parecem, pelo menos, meia dúzia de crianças. Dou um pequeno pulo na poltrona e sinto frio nos pés, novamente.
Não digo nada. Gosto do som deles.

2 comentários:

Paulo Chagas Dalcheco disse...

fodástico!

Juliana Cominatto disse...

Como já havia dito, adorei. Um estilo de escrita totalmente diferente do que vc geralmente usa, e o resultado ficou ótimo!