sexta-feira, 20 de maio de 2011

Resurrectione

Certa manhã, ao sair para o trabalho, resolvi não calçar os sapatos.
Certa manhã não sinalizei para o ônibus, ao invés disso fiz a curva à esquerda no quarteirão e segui reto, acompanhando a sombra maximizada de minha cabeça na calçada.
Segui direto até a paisagem se dissipar, dando lugar a um deserto de areia vermelha e aroma férrico.
Sentia o mundo entre os dedos dos pés e , aos poucos, me colorir de vermelho as raizes do corpo.
Tornei-me deserto e me batizei Nada.
Por quinze dias o sol rachou o solo de minha pele para depois, com fulgor gritante, jorrar sua tempestade chorosa.
Da coluna ereta que antes me era a espinha ergueu-se a haste aguda de um cravo que, em sua primeira tira de pétala vermelha, soprou os pulmões secos do deserto, enchendo a sarjeta da rua Laboriosa de perfume morno.