sexta-feira, 11 de dezembro de 2009

Sístole.

40 minutos atrasado, corro.
A cidade ensaia seu ballet free-style. Carros rodopiam, ônibus sacolejam em danças rituais. Dois ou três motoqueiros acertam um “quebra nozes” em frente ao café da manhã público.
A gravata pende ainda aberta em meu pescoço, o café ainda está entre os dentes. Penso desculpas, penso atalhos, penso se coloquei meias mas não confiro. Os pés recém acordados sofrem com a pressa. A casa se encontra num ponto “A”, o local de trabalho num ponto “C”. Ambos formam uma linha retilínea em que B (eu) vai de um ponto à outro. Visualizo o espaço, a distância viabiliza a existência de meu relógio. Minha saúde física mantêm minhas pernas em movimento porém as pernas em movimento acelerado marcam o atraso. Preocupação. Adoeço psicologicamente, o que me torna socialmente despreparado. O triângulo físico-psicológico-social perde duas pernas eu perco dois minutos, é um processo lento e auto-destrutivo, é humanamente característico.
Quando penso em trabalho penso em meu pai. Penso nos sapatos de meu pai, me vejo calça-los, mas ainda são enormes para meus pés.
Empurro uma senhora que fecha a calçada, ela grita. Apita uma campainha de cordas vocais velhas e frouxas. Ouço ofensas. Não ligo.
46 minutos atrasado, a corrida chacoalha meu estomago, sinto náuseas, perco fluidos, ganho velocidade, perco folego. Tusso, me apoio num poste cinza forrado de anúncios e vejo uma gota salgada cair da minha testa ao sapato de couro escuro. Levanto o rosto como que para sugar o mundo pelas narinas. Respirar fundo e lentamente. Respiro,me acalmo... E a vejo. Caminha devagar, destoando do quadro geral. Tento perceber a cor dos teus olhos, lhe acompanho o movimento da saia, imagino seu corpo nu, seu destino, seu nome e a perco numa esquina sombreada e recém lavada. Largo o poste e corro os últimos 100 metros rasos que precedem o ponto de ônibus. Talvez chegue antes das 9:00.

2 comentários:

Paulo Chagas Dalcheco disse...

Muito bom!!!! Só acho que a moça deveria aparecer no meio do conto, no meio do caos, no meio de tudo... Mas a maneira como ela sumiu, isso sim é legal... É issaê...

Marcelo Pierotti disse...

A passante Baudelaireana...

E discordo do PP, ela tinha mesmo era de aparecer quando o cara vive um resquício de flaneur nessa merda de vida. Nem que seja sem querer. Desse jeito aí.

Gostei pra caralho.